A FUGA DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA

1808 – Laurentino Gomes (uma resenha)
FAMILIA

“Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”

1808 – Laurentino Gomes (A Fuga da Família Real para o Brasil)

Depois de uma exaustiva pesquisa em fontes as mais diversas durante mais de 10 anos, Laurentino Gomes nos brinda com esta narração definitiva sobre a fuga da Família Real Portuguesa para o Brasil, sob a escolta da Marinha Britânica.

Antecedentes

Portugal – uma das nações mais atrasadas da Europa em inícios do século XIX – encontrava-se freqüentemente diante da possibilidade concreta, estimulada e aconselhada por muitos a ter a sede de seu governo transferida para o Brasil, colônia da qual se tornara totalmente dependente. A cada crise no Continente Europeu a idéia se renova, mas somente a partir dos ecos da Revolução Francesa, mais particularmente em seu período Napoleônico, a idéia ganhou força e premência. Com maior vigor a partir de 1801 a idéia freqüentemente era cogitada. No entanto o Príncipe Regente D. João era fraco demais – inclusive fisicamente – medroso demais e indeciso demais para adotar medida de tão graves monta e repercussão.

Os monarcas “perdem a cabeça”

O Rei Jorge III, da Inglaterra, tinha ataques constantes de demência, amplamente relatados: trazia ao colo uma almofada que informava ser uma criança; criou uma “Nova Teoria da Santíssima Trindade” incluindo a si mesmo e a um criado, além de Deus; passava por vezes 3 dias sem dormir, tempo durante o qual passava a maior parte do tempo falando sem parar – e poucos compreendiam bem o que exatamente estava ele a dizer.

Em Portugal, D. Maria I, a Rainha Mãe, informava ver o fantasma de seu pai com freqüência, ensangüentado e clamando vingança; seus gritos – talvez a palavra “urros” expresse melhor o volume em que se expressava durante os ataques de demência – eram tão lancinantes que ela foi recolhida a um convento, declarada demente e seu segundo filho, despreparado para assumir o trono, D. João, foi nomeado Príncipe Regente.

Na França e em outros pontos da Europa reis e rainhas eram decapitados. Como bem o enfatiza Laurentino Gomes, “era um tempo em que os monarcas, literal e metaforicamente, perdiam a cabeça”

Decisão às pressas

Somente quando pressionado pelo avanço das tropas napoleônicas do General Junot, em fins de 1807 e pressionado pela Inglaterra, a decisão foi tomada de maneira tão apressada e atabalhoada que muitos bens dos fugitivos para o Brasil ficaram empilhados no cais: bagagem, livros da Real Biblioteca, prataria saqueada de igrejas, etc. Além disso, as embarcações vieram todas apinhadas de gente, sem os cuidados técnicos necessários a uma tão longa travessia (levaria cerca de 3 meses para atravessar o Atlântico nas rústicas naus da época): pelo menos dois navios sequer conseguiram zarpar e o suprimento dos que zarparam no dia 29 de novembro de 1807 mal eram suficientes para 2 ou 3 semanas. Foi sem dúvida uma fuga apressada e decidida às pressas e, sem a escolta britânica a prover quase tudo o que faltava, a viagem estaria fadada a uma tragédia.

Napoleão Bonaparte – imbatível durante 2 décadas – Gênio Militar e uma Força da Natureza

Travessia conturbada e escala em Salvador

Enfrentando as saunas em que os navios selados da época se transformavam nos Trópicos, com água e refeições racionadas, condições sanitárias precaríssimas, a Corte e seus inúmeros lacaios e bajuladores – de ministros a clérigos e oportunistas com suas numerosas famílias – penou 3 meses de céu e mar. O escorbuto (falta de vitamina C) e outras moléstias ceifaram vidas, uma infestação de piolhos obrigou a todos a raspar a cabeça, uma tormenta provocou um desvio de rota que a muito custo foi retificada – sempre com o apoio logístico da Marinha Britânica – e finalmente, a 22 de janeiro de 1808 os navios aportaram em Salvador.

Um fato curioso é que a princesa Carlota Joaquina, suas filhas e damas da corte desembarcaram com uns turbantes rústicos enrolados na cabeça para disfarçar a calva a que foram reduzidas pela infestação de piolhos. As damas da sociedade soteropolitana consideraram ser aquela uma moda européia e aderiram com tal entusiasmo que até hoje as Baianas usam a indumentária…

A escala em Salvador proporcionou momentos de repouso após viagem tão longa e penosa e, aconselhado pelos seus ministros, D. João decidiu receber autoridades do Norte-Nordeste Brasileiro para as esquisitas cerimônias de “beijão-mão”: filas de fidalgos esperando a vez para oscular as extremidades dos braços do Príncipe Regente – uma constante na vida de D. João, que exigia estas demonstrações de fidelidade e submissão com regularidade enquanto governou. Era preciso fortalecer os vínculos entre as províncias do Brasil colônia que, aos poucos, viria a se transformar numa nação, sede do governo português no exílio.

Um príncipe indeciso, medroso, fraco que, no entanto, enganou Napoleão…

A chegada ao Rio de Janeiro

No dia 7 de março de 1808 a esquadra de D. João chega à Baía de Guanabara, mas o desembarque ocorre somente no dia seguinte. Os puxa-sacos que sempre cercam esse tipo de acontecimento no Brasil prepararam uma recepção retumbante, com muitos tiros de canhão, fogos de artifício e festas populares para saudar “a chegada do primeiro monarca Europeu a terras americanas”.

Portugal foi saqueada pelos fugitivos de Napoleão antes de embarcar para o Brasil, mas mesmo assim os recursos eram insuficientes para sustentar uma das maiores cortes que qualquer monarca da época ousava manter em torno de si. Todos dependentes dos cofres governamentais e sequiosos de um enriquecimento rápido por aqui para uma volta a Portugal à primeira oportunidade.

Casas foram requisitadas pela coroa portuguesa que nelas colava cartazes com as iniciais P.R. (casa requisitada pelo Príncipe Regente) que a irreverência carioca rapidamente entendeu como “Ponha-se na Rua!” Os impostos foram aumentados a níveis até então inusitados; nada comparável aos 40% que os brasileiros pagam hoje para os mensaleiros e sanguessugas e portadores de cartões corporativos de Lula da Silva, mas uma taxação severa para a época e, tal qual hoje, todos desconfiavam que os impostos não seriam empregados para o bem público e sim para o benefício privado dos dependentes do governo.

Um príncipe frouxo e uma princesa irascível: uma união com tudo para jamais dar certo…

Medidas progressistas

Uma vez que a sede do governo português situava-se no Rio de Janeiro, foram necessárias algumas medidas – muitas das quais adrede acertadas com a Inglaterra pela “cortesia” da escolta – progressistas para a época, como a Abertura dos Portos às Nações Amigas, decreto Régio de 28 de janeiro de 2008. “Nações Amigas” eram basicamente Portugal e a Inglaterra. Pelo acordo acertado com antecedência, o Brasil seria o principal escoadouro do excedente comercial britânico e a Inglaterra contava com benefícios alfandegários ainda superiores aos dos portugueses. Em pouco tempo os cais brasileiros estavam atulhados de coisa absolutamente inúteis para nosso clima tropical: patins para gelo, aquecedores de colchões e outras bugigangas caríssimas que muitos acabavam empregando em outras finalidades – um viajante da época informa que percebeu uma maçaneta de uma casa modesta modelada a partir de um patim para gelo, por exemplo…

Foi necessário ainda criar um órgão para cunhar a moeda que circularia por aqui: o Banco do Brasil. Como foi criado na base do compadrio e muita corrupção, teve vida efêmera. Em 1820 teve seus cofres saqueados pela Família Real de volta para Portugal, faliu e acabou sendo liquidado em 1829. Somente em 1835, já no governo de D. Pedro II o Banco do Brasil foi recriado.

Hábitos esquisitos

Havia as esquisitíssimas e regulares cerimônias de beija-mão, acima relatadas.

D. João VI era gordo, flácido e devorador voraz de franguinhos que trazia fritos e desossados nos bolsos de seus uniformes sempre sujos e engordurados. Não conseguia caminhar a pé mais de alguns metros sem sentir extrema fadiga e era, na mais completa acepção do termo, um dos homens mais fracos que já governaram esta nação, mas, surpreendentemente, logrou ser o único a enganar Napoleão Bonaparte e realizou um governo medianamente satisfatório.

Uma vez encontrar-se já em situação de separação definitiva de corpos da princesa Carlota Joaquina, o Autor Tobias Monteiro, apontado por Gomes na obra hora em análise, informa que D. João mantinha relações homossexuais “de conveniência”, particularmente com um de seus camareiros, Francisco Rufino de Souza Lobato cuja função primordial era masturbar o príncipe com regularidade, atividade pela qual Rufino foi recompensado regiamente: recebeu títulos, pensões portentosas e promoções sucessivas.

Numerosas salvas de canhão eram ordenadas a cada entrada de navio na Baía de Guanabara. Um estadunidense surpreso comenta o quanto os portugueses gostavam de gastar sua pólvora, a ponto de se ouvir o troar dos canhões à entrada da Baía ao longo de todos os dias.

Sem esgoto sanitário o lixo era invariavelmente jogado às ruas pelas janelas e, não raro, um passante recebia o “batismo” de dejetos humanos. Classes mais abastadas contavam com escravos encarregados de levar seus dejetos acumulados para despejar na Baía de Guanabara. Ficavam conhecidos como “carijós” pois quando o ácido de urina misturada com fezes caía sobre suas costas deixava em suas peles negras algumas manchas brancas.

Imprensa

Enquanto a Europa se encaminhava a passos largos para a ampliação dos Direitos da Pessoa Humana e do Cidadão, o Brasil recebia um dos mais atrasados representantes do Antigo Regime…

Como a oposição ao governo era um crime gravíssimo, o único jornal com alguns eivores críticos que, mais tarde, contudo, precisou ceder ao governo português, era o Correio Braziliense, que Hipólito da Costa editava em Londres.

Legado

Com todas as fraquezas, todo o medo e covardia, além de toda a corrupção que cercou a fuga da Família Real para o Brasil, devemos o princípio de nossa emancipação política (vulgarmente conhecida como “Independência”) a este episódio, a esta travessia de 1808.

Através de brutais repressões e da concentração autocrática o Brasil – ex-colônia portuguesa – manteve sua integridade territorial, lingüística e, em alguns aspectos “cultural”, ao contrário do Império Colonial Espanhol que se fragmentou em dezenas de Nações distintas.

Quando as cortes em Portugal, já livres de Napoleão Bonaparte e de seus “protetores” ingleses exigiram a volta da Família Real para o Continente além do juramento a uma constituição com alguns lustros de republicanismo, D. João VI – já então na posição de Monarca Português após o falecimento de D. Maria I, “a louca” – deixou o Brasil a cargo de seu filho D. Pedro com a recomendação de, em caso de revolta ou tentativas mais autonomizantes que o desejavam as cortes portuguesas, D. Pedro tomasse a coroa “antes que algum aventureiro o fizesse”. Assim, o Brasil simplesmente passou de pai para filho sem grandes azedumes em 1822. Por incrível que pareça – se é que a palavra “incrível” pode se aplicar a alguma situação no Brasil – os únicos problemas armados envolvendo o episódio conhecido como “Independência”, o 7 de setembro de 1822, quando D. Pedro rompeu com as cortes portuguesas, foram de alguns portugueses e brasileiros nativos que se rebelaram contra a autonomia desejosos de continuar mamando nas tetas de Portugal. Estes foram repelidos, novamente, com a ajuda de mercenários ingleses contratados pois nossa Marinha estava ainda em projeto…

De mais a mais, como Portugal devia 2 milhões de libras esterlinas à Inglaterra, para reconhecer a autoridade de D. Pedro I sobre o Brasil a ex-metrópole exigiu o repasse da dívida para a nova Nação Brasileira, dando o pontapé inicial em nossa interminável dívida externa – que hoje Lula da Silva “internalizou”: em 2008 devemos mais de 1 Trilhão e 400 Bilhões de Reais “internamente” a empresas como o Grupo Santander, o Citibank, a Monsanto – fabricante do desfolhante “Agente Laranja” -, a IBM – fabricante das máquinas gravadoras de números nos braços dos judeus nos campos de concentração nazistas -, a Ford, a Chrysler… Nossa dívida foi deixando de ser considerada “externa” mas avolumou-se de maneira descontrolada e nossos credores “brasileiros” têm suas matrizes bem longe daqui. Como diz na paródia de nosso hino (também conhecido como “ouvirundum ou “nó suíno”): “o sol da liberdade em raios fugidios brilhou em outra pátria muito distante!”

1808 – Laurentino Gomes (A Fuga da Família Real para o Brasil)

416 páginas – Ed. Planeta

A DISPUTA POLÍTICA ENTRE CARLOTA JOAQUINA E D. PEDRO I (CLIQUE AQUI PARA LER)

82 comentários em “A FUGA DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA”

  1. só ratificando o texto acima.
    Em 1807,frança e espanha assinavam o tratado de FONTAINEBLEAU,decidindo invadir portugal e dividir entre si suas colônias.enquanto isso, a inglaterra forçava portugal a ratificar a convenção secreta ,o que se deu em novembro de 1807, apesar das fortes pressões de setores favoravéis à frança. conta-se que a única mostra de lucidez foi dada por D.maria l,alouca,mãe de D.joão. depois de 16 anos enclausurada devido à sua demência, a rainha-mãe gritava aos condutores
    dos coches que conduziam:”não corram tanto! querem que pensem que estamos fugindo?”
    MUITO BOM O ASSUNTO,POIS RESGATA UM PERÍODO IMPORTANTE DE NOSSA HISTÓRIA.

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  2. luan talles (19:05:57) :

    só ratificando o texto acima.
    Em 1807,frança e espanha assinavam o tratado de FONTAINEBLEAU,decidindo invadir portugal e dividir entre si suas colônias.enquanto isso, a inglaterra forçava portugal a ratificar a convenção secreta ,o que se deu em novembro de 1807, apesar das fortes pressões de setores favoravéis à frança. conta-se que a única mostra de lucidez foi dada por D.maria l,alouca,mãe de D.joão. depois de 16 anos enclausurada devido à sua demência, a rainha-mãe gritava aos condutores
    dos coches que conduziam:”não corram tanto! querem que pensem que estamos fugindo?”
    MUITO BOM O ASSUNTO,POIS RESGATA UM PERÍODO IMPORTANTE DE NOSSA HISTÓRIA.
    {2}

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  3. Adorei…. nã so pelo fato de ser o fto mais importante da nossa historia, mais pelo jeito que foi narrado, acabou se tornando um texto, engrassado, sendo assim agradavel de ler e facil entendimento. agradeço… farei uma boa prova dependendo deste texto…

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  4. Gostei muito de ler a chegada dessa “louca” família no Brasil. Poderia ocorrer o lançamento através de história em quadrinhos. Iria ficar melhor ainda para as crianças do 5o ano entender essa parte da nossa história.

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  5. Gostei muito do texto , achei muito fácil de se compreender . Gostei também do jeito que abordou esse tema sem parecer chato .
    Esse texto vai me ajudar muito no trabalho de história que eu tenho que fazer de ultima hora .

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  6. Vi você no programa do Jô Soares, e gostei muito do seu jeito simples de explicar algo tão complicado que é a historia do nosso Brasil, parabéns.
    Tudo de bom para você!

    Advaldo

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  7. amei o texto, precisava de uma informação para um trabalho da escola e aqui encontrei tudo o que precisava. Um texto explicativo sem muita enrolação.

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  8. “Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”

    1808 – Laurentino Gomes (A Fuga da Família Real para o Brasil)

    Depois de uma exaustiva pesquisa em fontes as mais diversas durante mais de 10 anos, Laurentino Gomes nos brinda com esta narração definitiva sobre a fuga da Família Real Portuguesa para o Brasil, sob a escolta da Marinha Britânica.

    Antecedentes

    Portugal – uma das nações mais atrasadas da Europa em inícios do século XIX – encontrava-se freqüentemente diante da possibilidade concreta, estimulada e aconselhada por muitos a ter a sede de seu governo transferida para o Brasil, colônia da qual se tornara totalmente dependente. A cada crise no Continente Europeu a idéia se renova, mas somente a partir dos ecos da Revolução Francesa, mais particularmente em seu período Napoleônico, a idéia ganhou força e premência. Com maior vigor a partir de 1801 a idéia freqüentemente era cogitada. No entanto o Príncipe Regente D. João era fraco demais – inclusive fisicamente – medroso demais e indeciso demais para adotar medida de tão graves monta e repercussão.

    Os monarcas “perdem a cabeça”

    O Rei Jorge III, da Inglaterra, tinha ataques constantes de demência, amplamente relatados: trazia ao colo uma almofada que informava ser uma criança; criou uma “Nova Teoria da Santíssima Trindade” incluindo a si mesmo e a um criado, além de Deus; passava por vezes 3 dias sem dormir, tempo durante o qual passava a maior parte do tempo falando sem parar – e poucos compreendiam bem o que exatamente estava ele a dizer.

    Em Portugal, D. Maria I, a Rainha Mãe, informava ver o fantasma de seu pai com freqüência, ensangüentado e clamando vingança; seus gritos – talvez a palavra “urros” expresse melhor o volume em que se expressava durante os ataques de demência – eram tão lancinantes que ela foi recolhida a um convento, declarada demente e seu segundo filho, despreparado para assumir o trono, D. João, foi nomeado Príncipe Regente.

    Na França e em outros pontos da Europa reis e rainhas eram decapitados. Como bem o enfatiza Laurentino Gomes, “era um tempo em que os monarcas, literal e metaforicamente, perdiam a cabeça”

    Decisão às pressas

    Somente quando pressionado pelo avanço das tropas napoleônicas do General Junot, em fins de 1807 e pressionado pela Inglaterra, a decisão foi tomada de maneira tão apressada e atabalhoada que muitos bens dos fugitivos para o Brasil ficaram empilhados no cais: bagagem, livros da Real Biblioteca, prataria saqueada de igrejas, etc. Além disso, as embarcações vieram todas apinhadas de gente, sem os cuidados técnicos necessários a uma tão longa travessia (levaria cerca de 3 meses para atravessar o Atlântico nas rústicas naus da época): pelo menos dois navios sequer conseguiram zarpar e o suprimento dos que zarparam no dia 29 de novembro de 1807 mal eram suficientes para 2 ou 3 semanas. Foi sem dúvida uma fuga apressada e decidida às pressas e, sem a escolta britânica a prover quase tudo o que faltava, a viagem estaria fadada a uma tragédia.

    Napoleão Bonaparte – imbatível durante 2 décadas – Gênio Militar e uma Força da Natureza

    Travessia conturbada e escala em Salvador

    Enfrentando as saunas em que os navios selados da época se transformavam nos Trópicos, com água e refeições racionadas, condições sanitárias precaríssimas, a Corte e seus inúmeros lacaios e bajuladores – de ministros a clérigos e oportunistas com suas numerosas famílias – penou 3 meses de céu e mar. O escorbuto (falta de vitamina C) e outras moléstias ceifaram vidas, uma infestação de piolhos obrigou a todos a raspar a cabeça, uma tormenta provocou um desvio de rota que a muito custo foi retificada – sempre com o apoio logístico da Marinha Britânica – e finalmente, a 22 de janeiro de 1808 os navios aportaram em Salvador.

    Um fato curioso é que a princesa Carlota Joaquina, suas filhas e damas da corte desembarcaram com uns turbantes rústicos enrolados na cabeça para disfarçar a calva a que foram reduzidas pela infestação de piolhos. As damas da sociedade soteropolitana consideraram ser aquela uma moda européia e aderiram com tal entusiasmo que até hoje as Baianas usam a indumentária…

    A escala em Salvador proporcionou momentos de repouso após viagem tão longa e penosa e, aconselhado pelos seus ministros, D. João decidiu receber autoridades do Norte-Nordeste Brasileiro para as esquisitas cerimônias de “beijão-mão”: filas de fidalgos esperando a vez para oscular as extremidades dos braços do Príncipe Regente – uma constante na vida de D. João, que exigia estas demonstrações de fidelidade e submissão com regularidade enquanto governou. Era preciso fortalecer os vínculos entre as províncias do Brasil colônia que, aos poucos, viria a se transformar numa nação, sede do governo português no exílio.

    Um príncipe indeciso, medroso, fraco que, no entanto, enganou Napoleão…

    A chegada ao Rio de Janeiro

    No dia 7 de março de 1808 a esquadra de D. João chega à Baía de Guanabara, mas o desembarque ocorre somente no dia seguinte. Os puxa-sacos que sempre cercam esse tipo de acontecimento no Brasil prepararam uma recepção retumbante, com muitos tiros de canhão, fogos de artifício e festas populares para saudar “a chegada do primeiro monarca Europeu a terras americanas”.

    Portugal foi saqueada pelos fugitivos de Napoleão antes de embarcar para o Brasil, mas mesmo assim os recursos eram insuficientes para sustentar uma das maiores cortes que qualquer monarca da época ousava manter em torno de si. Todos dependentes dos cofres governamentais e sequiosos de um enriquecimento rápido por aqui para uma volta a Portugal à primeira oportunidade.

    Casas foram requisitadas pela coroa portuguesa que nelas colava cartazes com as iniciais P.R. (casa requisitada pelo Príncipe Regente) que a irreverência carioca rapidamente entendeu como “Ponha-se na Rua!” Os impostos foram aumentados a níveis até então inusitados; nada comparável aos 40% que os brasileiros pagam hoje para os mensaleiros e sanguessugas e portadores de cartões corporativos de Lula da Silva, mas uma taxação severa para a época e, tal qual hoje, todos desconfiavam que os impostos não seriam empregados para o bem público e sim para o benefício privado dos dependentes do governo.

    Um príncipe frouxo e uma princesa irascível: uma união com tudo para jamais dar certo…

    Medidas progressistas

    Uma vez que a sede do governo português situava-se no Rio de Janeiro, foram necessárias algumas medidas – muitas das quais adrede acertadas com a Inglaterra pela “cortesia” da escolta – progressistas para a época, como a Abertura dos Portos às Nações Amigas, decreto Régio de 28 de janeiro de 2008. “Nações Amigas” eram basicamente Portugal e a Inglaterra. Pelo acordo acertado com antecedência, o Brasil seria o principal escoadouro do excedente comercial britânico e a Inglaterra contava com benefícios alfandegários ainda superiores aos dos portugueses. Em pouco tempo os cais brasileiros estavam atulhados de coisa absolutamente inúteis para nosso clima tropical: patins para gelo, aquecedores de colchões e outras bugigangas caríssimas que muitos acabavam empregando em outras finalidades – um viajante da época informa que percebeu uma maçaneta de uma casa modesta modelada a partir de um patim para gelo, por exemplo…

    Foi necessário ainda criar um órgão para cunhar a moeda que circularia por aqui: o Banco do Brasil. Como foi criado na base do compadrio e muita corrupção, teve vida efêmera. Em 1820 teve seus cofres saqueados pela Família Real de volta para Portugal, faliu e acabou sendo liquidado em 1829. Somente em 1835, já no governo de D. Pedro II o Banco do Brasil foi recriado.

    Hábitos esquisitos

    Havia as esquisitíssimas e regulares cerimônias de beija-mão, acima relatadas.

    D. João VI era gordo, flácido e devorador voraz de franguinhos que trazia fritos e desossados nos bolsos de seus uniformes sempre sujos e engordurados. Não conseguia caminhar a pé mais de alguns metros sem sentir extrema fadiga e era, na mais completa acepção do termo, um dos homens mais fracos que já governaram esta nação, mas, surpreendentemente, logrou ser o único a enganar Napoleão Bonaparte e realizou um governo medianamente satisfatório.

    Uma vez encontrar-se já em situação de separação definitiva de corpos da princesa Carlota Joaquina, o Autor Tobias Monteiro, apontado por Gomes na obra hora em análise, informa que D. João mantinha relações homossexuais “de conveniência”, particularmente com um de seus camareiros, Francisco Rufino de Souza Lobato cuja função primordial era masturbar o príncipe com regularidade, atividade pela qual Rufino foi recompensado regiamente: recebeu títulos, pensões portentosas e promoções sucessivas.

    Numerosas salvas de canhão eram ordenadas a cada entrada de navio na Baía de Guanabara. Um estadunidense surpreso comenta o quanto os portugueses gostavam de gastar sua pólvora, a ponto de se ouvir o troar dos canhões à entrada da Baía ao longo de todos os dias.

    Sem esgoto sanitário o lixo era invariavelmente jogado às ruas pelas janelas e, não raro, um passante recebia o “batismo” de dejetos humanos. Classes mais abastadas contavam com escravos encarregados de levar seus dejetos acumulados para despejar na Baía de Guanabara. Ficavam conhecidos como “carijós” pois quando o ácido de urina misturada com fezes caía sobre suas costas deixava em suas peles negras algumas manchas brancas.

    Imprensa

    Enquanto a Europa se encaminhava a passos largos para a ampliação dos Direitos da Pessoa Humana e do Cidadão, o Brasil recebia um dos mais atrasados representantes do Antigo Regime…

    Como a oposição ao governo era um crime gravíssimo, o único jornal com alguns eivores críticos que, mais tarde, contudo, precisou ceder ao governo português, era o Correio Braziliense, que Hipólito da Costa editava em Londres.

    Legado

    Com todas as fraquezas, todo o medo e covardia, além de toda a corrupção que cercou a fuga da Família Real para o Brasil, devemos o princípio de nossa emancipação política (vulgarmente conhecida como “Independência”) a este episódio, a esta travessia de 1808.

    Através de brutais repressões e da concentração autocrática o Brasil – ex-colônia portuguesa – manteve sua integridade territorial, lingüística e, em alguns aspectos “cultural”, ao contrário do Império Colonial Espanhol que se fragmentou em dezenas de Nações distintas.

    Quando as cortes em Portugal, já livres de Napoleão Bonaparte e de seus “protetores” ingleses exigiram a volta da Família Real para o Continente além do juramento a uma constituição com alguns lustros de republicanismo, D. João VI – já então na posição de Monarca Português após o falecimento de D. Maria I, “a louca” – deixou o Brasil a cargo de seu filho D. Pedro com a recomendação de, em caso de revolta ou tentativas mais autonomizantes que o desejavam as cortes portuguesas, D. Pedro tomasse a coroa “antes que algum aventureiro o fizesse”. Assim, o Brasil simplesmente passou de pai para filho sem grandes azedumes em 1822. Por incrível que pareça – se é que a palavra “incrível” pode se aplicar a alguma situação no Brasil – os únicos problemas armados envolvendo o episódio conhecido como “Independência”, o 7 de setembro de 1822, quando D. Pedro rompeu com as cortes portuguesas, foram de alguns portugueses e brasileiros nativos que se rebelaram contra a autonomia desejosos de continuar mamando nas tetas de Portugal. Estes foram repelidos, novamente, com a ajuda de mercenários ingleses contratados pois nossa Marinha estava ainda em projeto…

    De mais a mais, como Portugal devia 2 milhões de libras esterlinas à Inglaterra, para reconhecer a autoridade de D. Pedro I sobre o Brasil a ex-metrópole exigiu o repasse da dívida para a nova Nação Brasileira, dando o pontapé inicial em nossa interminável dívida externa – que hoje Lula da Silva “internalizou”: em 2008 devemos mais de 1 Trilhão e 400 Bilhões de Reais “internamente” a empresas como o Grupo Santander, o Citibank, a Monsanto – fabricante do desfolhante “Agente Laranja” -, a IBM – fabricante das máquinas gravadoras de números nos braços dos judeus nos campos de concentração nazistas -, a Ford, a Chrysler… Nossa dívida foi deixando de ser considerada “externa” mas avolumou-se de maneira descontrolada e nossos credores “brasileiros” têm suas matrizes bem longe daqui. Como diz na paródia de nosso hino (também conhecido como “ouvirundum ou “nó suíno”): “o sol da liberdade em raios fugidios brilhou em outra pátria muito distante!”

    1808 – Laurentino Gomes (A Fuga da Família Real para o Brasil)

    416 páginas – Ed. Planeta

    A DISPUTA POLÍTICA ENTRE CARLOTA JOAQUINA E D. PEDRO I (CLIQUE AQUI PARA LER)

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  9. EU amo muito historia e eu nao consigo para de ler historia entao uma amiga minha min falou deste site e eu entrei em tao parabens por esta historia maravilhosa e eu li toda entao parabens xau Beijos emillaine gatissima

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  10. Ola
    Normalmente não perderia tempo a comentar um artigo destes mas como vejo que alguns jovens estudantes, se servem dele como base para realizar trabalhos academicos, nāo consegui evitar…
    A retirada da familia real portuguesa para a sua colonia brasileira permitiu a Portugal manter a sua independencia e o seu império e evitou a queda da armada portuguesa mas mãos de Napoleão (que desesperadamente precisava de navios e tripulações experientes para uma possível invasāo da Inglaterra) quanto a viagem em si, iniciou-se no 29 de novembro 1807 e desenbarcaram a 22 de janeiro 1908 em Salvador! Logo é só fazer as contas para verificar que mesmo com uma tempestade pelo meio e escala na Madeira nāo durou três meses! Quanto a escolta britanica que segundo o autor asseguraria a segurança da armada portuguesa, era apenas formada por quatro navios! A armada Portuguesa era constituida por 16! O motivo dessa escolta era obviamente assegurar a realizaçāo dos acordos comerciais que se sucederam apos a chegada da familia real ao brasil !
    Quanto a cobardia da familia real portuguesa e implicitamente como é insinuado dos portugueses, quem sabe de historia e conhece o papel das tropas portuguesas nas guerras peninsulares, sabe que as inumeras vitorias alcançadas contra os exercitos do pais mais poderoso e evoluido militarmente á época (frança) falam por si. Se lhe restam duvidas aconselho-lhe a pesquisar a opiniāo do general Wellington acerca dos “batalhões de caçadores Portugueses”

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  11. Títulos são herdados mas muitos não se utilizam de suas honrarias ; como Dom Márcio Luís da Gama Cavalheiro, que decende de Vasco da Gama, Vasco Luís da Gama, possuidores do paço dos Gamas e dos direitos concedidos pela nobreza, este sucessor dos Gamas tem em suas raizes; Luis da Gama, Nabor da Gama Filho, Manoel da Gama D’Almada, Manuel da Gama, Nabor da Gama Jr.
    D.Marcio Luis da Gama Cavalheiro é o Senhorio de terras no estado do Pará e possui projetos como seu antecessor Manuel da Gama Lobo D’Almada e espírito e ideais desbravadores na Amazônia, possui outros antecessores que contribuiram nos movimentos abolicionistas e de direitos humanos, o renomado Médico militar Paraense Manoel da Gama Lobo, o primeiro oftalmologista do Brasil;
    Manuel Jacinto Nogueira da Gama,[1] primeiro visconde com grandeza e marquês de Baependi[2] (São João del-Rei, 8 de setembro de 1765 – Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1847), foi um militar, político e professor brasileiro, doutorado em matemática e filosofia pela Universidade de Coimbra; Luís Gama: ex-escravo, autodidata, advogado, poeta, maçom, republicano e abolicionista radical; E tantos outros “GAMA” que fizeram a história imperial em Brasil e Portugal, com títulos da coroa portuguesa, deixaram a comodidade para desbravar o mundo como outro Gama da mesma linhagem “Vasco da Gama” Terceiro filho de dom Estêvão da Gama e Isabel Sodré, que pertenciam à nobreza de Portugal, Vasco da Gama foi inicialmente destinado à vida eclesiástica, mas preferiu trocá-la pela carreira militar e pela navegação.

    Na verdade, pouco se sabe sobre a vida de Vasco da Gama antes de ser nomeado capitão-mor da frota que descobriria o caminho marítimo para as Índias. Aliás, a nomeação cabia a seu irmão mais velho, Paulo, que cedeu-lhe o lugar, contentando-se em comandar uma das embarcações da esquadra.

    Vasco da Gama deixou Lisboa em 8 de julho de 1497, dobrou o Cabo da Boa Esperança em 18 de novembro, mas só atingiu a Índia em maio do ano seguinte, quando aportou em Calicute, enfrentando hostilidade do governante local. A viagem de volta teve início em 5 de outubro. Dos 155 homens que partiram, só 55 chegaram a Lisboa. Entre os mortos, estava Paulo da Gama, o irmão de Vasco.

    Recebido em triunfo pelo rei, Vasco da Gama recebeu o título de dom, de “Almirante dos Mares da Arábia, Pérsia, Índia e de todo o Oriente” e uma pensão de 300 mil réis anuais para ele e seus descendentes. Em 1502, obteve o comando de sua segunda viagem à Índia. Dessa vez, tinha o dever de estabelecer feitorias e entrepostos comerciais na África e na Índia e revidar os maus tratos sofridos pela esquadra de Cabral, que lá chegara em fins de maio de 1500, e perdera 40 marinheiros em combate com o rei de Calicute. D.Marcio Luís da Gama Cavalheiro, vem com a mesma filosofia de sua linhagem, de fidalgo e cidadão brasileiro vai coroar a Amazônia com a sua presença.

    Luis Gazeta.

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  12. Mas qual fuga? O que houve foi uma brilhante retirada estratégica para o Brasil e assim continuar a resistência até à vitória final com a entrada das forças lusas em Bordéus e Toulouse e ocupação da Guiana francesa.

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  13. Parabéns, ótimo texto! Gostaria de saber um pouco mais sobre o bloqueio continental, mas pude conhecer outros fatos interessantes e curiósos da nossa História. Valeu !!!

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  14. Agora sabemos o porque de estarmos nesta situação. É nossa infeliz herança. E ainda comemoramos descoberta do Brasil por Portugal. Que droga.

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  15. Parabéns pela bela iniciativa de resenhar este livro, para mim, a melhor compilação de fontes sobre a vinda da família real para o Brasil que já foi feita. Laurentino Gomes conseguiu aliar a simplicidade e o detalhamento como ninguém. Ótima leitura pra quem é curioso.

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  16. Oi! estou aprendendo este assunto super legal agora na 8 série. Para mim é um dos assuntos mais legais na aula de HISTÓRIA!!!!!!!!! ; )

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  17. Laurentino Gomes prestou um desserviço à verdadeira História do Brasil e de Portugal. Embora diga que pesquisou duante 10 anos, sua “história ” se resume a uma colcha de retalhos, costurada com a ajuda amadorística de seus diversos colaboradores, copiadas de autores que copiaram de outros autores, sem, na verdade, consultarem documentos que comprovem a veracidade de suas afirmações. Faz uma descontrução pejorativa da verdadeira História. Hoje em dia, com a digilitação de documentos, poderá se comprovar que muitas das informações pejorativas de nossa História e de seus personagens que se faz e se copia, foram na verdade jogadas pelos detratores da realeza que queriam derubar a Monarquia, usando os métodos mais vis, como ainda hoje os políticos o fazem. Que os jovens aprendam: pesquisa histórica se faz baseada e comprovada por documentos e não “por ouvir dizer”.

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  18. Tá explicado, porque o brasileiro é tão frouxo! Os políticos roubam à vontade, fazem leis ridículas, o judiciário corrupto e longe de cumprir seu papel, e o povo vive só de bolsa esmola e circo!

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  19. sem menor interesse !!! texto escrito por alguém que só quer difamar portugal , típico brasileiro que foi enganado desde que nasceu em que lhes disseram, ( brasil esta assim por causa de Portugal ), mas não faz pesquisa e escreve meia dúzia de coisas vistas na Net e sem fundamento !!!!.Como professor ” 0 ” !! Agora entendo o porque do ensino ser muito criticado no Brasil !!

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  20. Copiado do site https//www.targini.com.br

    DIFAMAÇÃO
    DEFESA DE FRANCISCO BENTO MARIA TARGINI, VISCONDE DE SÃO LOURENÇO.
    RECORRENTES ERROS NA BIOGRAFIA DE FRANCISCO BENTO MARIA TARGINI QUE LEVAM À INJUSTA DIFAMAÇÃO DE SEU NOME.
    Francisco Bento Maria Targini, primeiro Visconde de São Lourenço, da nobiliarquia portuguesa, nascido em Lisboa, foi Tesoureiro Mor do Erário, no Brasil, durante o Reinado de D. João VI, a quem admirava profundamente e serviu com lealdade, até a volta da Família Real a Portugal, em 1821.
    A amizade e admiração por D. João VI era recíproca e isto, mais a rigidez com que mantinha os gastos com o dinheiro público, lhe granjeava um grande número de desafetos e tramoias para derrubá-lo. Por outro lado, seu posicionamento político, muito conservador, ferrenho defensor do poder absoluto do Monarca, desencadeou uma série de intrigas por parte dos defensores das teorias liberais. Entre eles, sobressaia-se Hipólito José Pereira Furtado de Mendonça da Costa, o jornalista brasileiro, com cidadania inglesa, fundador de “O Correio Brasiliense”, há muitos anos radicado em Londres, que não lhe dava trégua.
    Hipóllito da Costa havia fundado o jornal com uma única meta: fazer propaganda dos princípios liberais. Criticava a escolha de Targini para Tesoureiro do Erário Real, pois este era um ferrenho defensor do absolutismo. Pintava o Tesoureiro Mor como um “ignorante, que mal tinha conhecimento dos princípios básicos de escrituração e de quem nunca se ouvira falar que tivesse uma só boa qualidade”.
    Difícil acreditar nisto, quanto a uma pessoa formada em Coimbra e que já aos dezenove anos era assistente do Marquês de Pombal e aos vinte foi nomeado, por D. Maria I, funcionário do Governo, justamente na área de Finanças.
    Eram estas as principais armas de Hipólito: usar da ironia, da falsidade e da ofensa, para conseguir seus propósitos, em uma época que ainda não se falava em ética, no jornalismo, e se empregava o conselho de Maquiavel, sem qualquer pejo: “O fim justifica os meios”.
    Por ser um nobre e funcionário direto do Rei, o costume e a etiqueta não permitiam a Targini se defender, pelos mesmos meios impressos. Assim, Hipólito se aproveitava disto, para difamar o Tesoureiro, enfraquecer seu poder e tentar derrubá-lo de seu posto.
    Contudo, todos os que privavam com Targini, e até mesmo Hipólito, sabiam bem que, além de ser um profundo conhecedor de Finanças Públicas, desde a mocidade, quando serviu na Corte portuguesa, aos dezenove anos, junto ao Marquês de Pombal, o Tesoureiro Mor era reconhecido como escritor ótimo financista, tradutor, introdutor da Filosofia de Kant, em Portugal e no Brasil. Falava e escrevia o grego, o latim, o inglês, o francês, o italiano, o espanhol, além de gostar de escrever poesias. Formou-se pela escola de Filosofia e Matemática da Universidade de Coimbra, o que lhe possibilitou ser nomeado, pela rainha D. Maria I, para prestar serviços na Corte, pois era costume privilegiarem-se os egressos da famosa Academia.
    Produziu várias obras literárias, mas se tornou famoso pela tradução, do inglês, de “O Paraíso Perdido”, obra de John Milton, das mais importantes da literatura Universal, ao lado da Divina Comédia e dos Lusíadas. Seu trabalho é considerado, até hoje, o melhor que se fez desse poema épico, na língua portuguesa. As notas explicativas, cuidadosamente colocadas junto à tradução, demonstram, ainda, grande erudição e profundo conhecimento da Bíblia e da Mitologia.
    Apesar de, desde seus 19 anos de idade, trabalhar para a Coroa, sempre em altos cargos, com ótimo ordenado, o único bem que possuiu foi uma casa, no Rio de Janeiro, na Rua de Matacavalos, hoje do Riachuelo, esquina com Rua dos Inválidos. Em 1820, já na idade madura, graças ao bom ordenado que recebia e às economias de uma vida inteira, adquiriu a casa do oficial das ordenanças do Paço, Antônio da Cunha. Ao contrário das críticas que se fez a Targini, ninguém se admirou do ordenança ter podido construí-la, e ele ocupava um cargo cujos vencimentos eram bem menores que os do Tesoureiro Mor.
    Targini a reformou e a transformou em uma elegante e confortável residência. Contudo, seus inimigos, num contínuo projeto de difamação de seu nome, espalhavam que seus proventos não deveriam ser suficientes para isto e, portanto, o dinheiro para a reforma deveria ter sido roubado do Erário. Afirmações sem provas e sem argumentações, jogadas no ar, com malícia e má fé, mas que como se sabe, estes tipos de infâmia têm grande força e são logo recebidas como verdades pelo povo.
    Durante sua estadia no Ceará, para onde fora, em 1783, nomeado como escrivão da provedoria da capitania, mediante Patente Régia de Sua Majestade, trabalhou em um ambiente hostil, criado por sua atitude firme de coibir a malversação do dinheiro público, como era costumeiro no lugar, o que lhe granjeou vários inimigos.
    A saga de sua passagem pelo Ceará foi muito bem narrada pelo historiador cearense Guilherme Studart, em seu livro “Notas para a História do Ceará”. Valendo-se de centenas de documentos, a obra é imprescindível para quem quer conhecer, com profundidade, a época em que o Brasil foi uma Colônia de Portugal.
    Perseguido politicamente, recebeu a proteção de D. João VI, que acreditava em sua integridade e, por conhecer sua competência e trabalho, o nomeou Tesoureiro Mor do Erário, concedeu-lhe o título de Barão e depois de Visconde de São Lourenço.
    Acompanhou, em 1821, a Família Real, em seu retorno a Portugal. Porém, por ser conservador, os liberais, que exigiam a assinatura da Constituição por D. João VI, não o deixaram descer em Lisboa, bem como outros fidalgos da confiança do Rei. Foi, então, estabelecer-se na França, onde morreu, vivendo da pensão que lhe foi concedida, por D. Pedro I, por direito.
    Suas filhas ficaram no Rio de Janeiro, praticamente sem recursos e, acostumadas a frequentar o Palácio, passaram a fazer doces para vender à sociedade carioca ou mandar vender, nas ruas, em tabuleiros.
    Durante sua vida, enfrentou, com sabedoria e altivez, perseguições, maledicências, infâmias plantadas por inimigos pessoais e públicos. Criava inimigos que não suportavam sua rigidez, sempre que se tratava de gastos com o dinheiro do Erário Real. Era temido pelos inimigos da Monarquia que, entre outras ações, usavam o ardil de destruir a reputação dos mais influentes homens do Governo, para enfraquecê-los perante a opinião pública, como foi feito na França e nas Colônias espanholas da América do Sul, que se tornaram Repúblicas.
    Os nobres portugueses, que acompanharam D. João VI em sua vinda para o Brasil, recebiam polpudas pensões, sem trabalhar. Targini tentava conter a sanha com que alguns, exageradamente, recorriam ao Tesouro, mas D. João VI, com sua conhecida bondade e lembrando-se das adversidades que esses companheiros de infortúnio haviam sofrido, na dolorosa empreitada de salvar o governo de Portugal, mandava abrir-lhes a bolsa com frequência, desautorizando Targini.
    Assim, o Tesoureiro Mor, contra sua vontade, ia fazendo os pagamentos, mas, ironicamente, lhes aconselhava: “-Aproveitem enquanto a vaca tem leite”.
    Para melhor elucidar esses fatos, nada como a narrativa feita por Joaquim Manoel de Macedo, no seu SUPLEMENTO BIOGRAPHICO, Fls. 358 — 3 5 9:

    “Durante o período de treze anos e dois meses menos dias, com que se manteve na cidade do Rio de Janeiro a capital da Monarquia portuguesa correram, abusivamente exageradas, as despesas do Erário Régio, e diziam alguns que por isso muitas vezes faltava á ele o dinheiro.
    Outros, asseguravam que Targini (á quem sobraram desafetos e invejosos do favor que ele tinha na corte) adiava longa e excessivamente pagamentos no Erário, tendo agentes que se empregavam em descontá-lo.
    Aleive, ou verdade, pois que a suspeita é gravíssima, e não temos provas para considerá-la fundamentada, propalava-se como se fosse certa, e conta-se até curiosa anedota ou real, ou imaginária, e neste caso eivada de insinuação maligna.

    Diz-se que um D. Fernando, fidalgo português de tradicional excentricidade, fazia grande ruído e maltratava com acres palavras, e epigramas ferinos, á Targini, quando ia ao Erário receber honorários ou pensão, e lhe adiavam o pagamento por faltar dinheiro, e que Targini, queixando-se disso ao príncipe regente D. João, este, um dia de recepção no Paço, dissera a D. Fernando, depois de censurar-lhe o procedimento:

    – Proíbo-lhe pronunciar palavra alguma que desaire ou injurie o Targini.

    Cumpre lembrar que Targini tinha de menos uma vista, era cego de um dos olhos.
    E a tradição assegura que o original D. Fernando ao retirar-se do Paço, encontrando-se com o Targini, indicara-lhe mudo, mas empregando mímica, muito expressiva, que se não lhe pagasse a pensão, lhe furaria o único olho com que via.
    Targini voltara sobre seus passos a denunciar a D. João o novo insulto recebido, D. Fernando que o seguira, respondera ao príncipe regente, que resentido o interrogara:

    — Senhor, Vossa Alteza Real proibiu-me pronunciar a palavra, e eu não falei. Apenas empreguei a mímica que é muda para ver se este homem me dá o dinheiro sem desconto.

    E a tradição, verdadeira ou falsa, acaba informando, que o príncipe regente á rir, dissera:

    — Targini, livra-te de D. Fernando, pagando-lhe á boca do cofre.

    Como quer que fossem as suspeitas e acusações, Francisco Bento Maria Targini foi por ocasião do aniversário natalício da Rainha D. Maria I, e do batizado de seu neto, o infante D. Sebastião, em 1811, agraciado com o titulo de Barão de São Lourenço, e tão estimado e válido continuou a ser na corte, que D. João, já Rei em 1819, o elevou de Barão de S. Lourenço á Visconde do mesmo titulo, quando distribuiu graças e títulos em honra do nascimento e batismo de sua neta a principal D. Maria da Gloria, mais tarde Rainha de Portugal.”

    Targini só abria a arca, se o Monarca lhe ordenasse. E, muitas vezes, teve de fazê-lo, mas nunca em seu proveito.

    “Do ladrão ao barão.”
    Pela dedicação com que prestou, durante toda a vida, seus serviços à Coroa, não pude aceitar como válido o uso que a curadora da Casa de Rui Barbosa, do Rio de Janeiro, Isabel Lustosa, fez da figura de Francisco Bento Maria Targini, quando o citou como exemplo, ao ilustrar um artigo seu sobre a corrupção dos políticos atuais.
    Publicado em 03 de junho de 2007, no jornal Folha de São Paulo, com o título “Do ladrão ao barão”, pela historiadora e pesquisadora Doutora em Ciência Política pelo IUPERJ, desde 1985, e portadora de muitos outros títulos, ninguém pôs em dúvida a veracidade de suas afirmações. Inspirados nessa publicação, uma enxurrada de artigos sobre política e corrupção surgiram na mídia brasileira, repetindo as mesmas palavras usadas no artigo citado e incorrendo em erros que foram e continuam sendo transmitidos de autor para autor, solidificando a difamação de seu nome, sem citarem um único documento que comprove suas afirmações.
    Até mesmo um professor de conhecido colégio paulistano, mediante distribuição impressa à sua classe, usou esse artigo que difama o nome de Francisco Bento Maria Targini, ao pretender dar conhecimento a seus alunos, entre eles minha neta, de como são antigos os casos de políticos corruptos no Governo brasileiro. Também diversas teses acadêmicas, como publicadas na Internet, foram apresentadas, com base no artigo da historiadora Isabel Lustosa, sem qualquer contestação da banca examinadora.
    O artigo da Doutora Isabel Lustosa, publicado em 03 de junho de 2007, no jornal Folha de São Paulo, possui diversas falhas, o que nos faz refletir sobre a responsabilidade do historiador, quando faz qualquer afirmação. A responsabilidade ao escrever artigos, e publicá-los, faz parte intrínseca de sua formação e, portando, os dados repassados devem estar apoiados em profunda pesquisa e documentos, principalmente quando se trata de difamar o nome de um cidadão de bem.
    Transcrevo e rebato as afirmações feitas no artigo sobre Francisco Bento Maria Targini, que se tivessem sido feitas após uma pesquisa completa, análise de documentos e meditação baseada em sua experiência, sem dúvida, jamais seriam citadas, pelo menos com tanta certeza, pela eminente historiadora:
    Diz a Dr. Isabel Lustosa:
    1 – “…Targini era filho de um italiano e começara a carreira numa casa de comércio como caixeiro, progredindo depois para guarda-livro”.
    Na verdade, Targini nasceu em Lisboa, na Freguesia de Loreto, hoje Encarnação, Portugal, em 16 de outubro de 1756, filho de Leopoldo Pascuale Maria Targini e Anna Thereza Joaquina de Castro, nascidos em Portugal. (Geneall)
    Era neto de Cristovão Marques Targini, cuja origem era italiana, de Leone. Este sim tinha como profissão a de guarda livros, profissão esta que exercia, com a necessária aprovação do Tribunal do Santo Ofício, após profunda investigação, como só sabiam fazer os membros da terrível instituição. Foi inquirido pelas chamadas Diligências de Habilitação, sendo aprovado, para exercer sua função, nas casas nobres portuguesas, e participar dos inúmeros processos de execução, nas ações cíveis de libelo, nos inventários dos Feitos Findos, perante o Juízo dos Órfãos da Repartição do Termo.
    Eis o que consta do documento que informa essa nomeação:
    “TSO Tribunal do Santo Ofício 1536/1821
    CG Conselho Geral do Santo Ofício 1569/1821
    A Ministros e Familiares
    008 Diligências de Habilitação
    002 Habilitações Incompletas 1588/1820
    LINK: “1158 Diligência de habilitação de Cristovão Marques Targini 1770/1770″
    Esta aprovação era um documento valioso, que atestava a alta posição que o investigado possuía, na sociedade portuguesa, pois se valia de uma grande quantidade de dados profissionais, investigações, inquirições, testemunhos, situação econômica, etc., que caso não fossem aprovados, não se poderia obter a licença para participar da vida da Corte Portuguesa.
    Investigava-se, principalmente, a ascendência das pessoas que queriam o certificado de Familiar do Santo Ofício. Tudo o que se referia aos pais, avós, bisavós, e o mesmo se faziam quanto aos ascendentes da esposa.
    Sem dúvida, a Drª Isabel Lustosa valeu-se de informação equivocada, que também deverá ser corrigida, do Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico, de Portugal, de João Romano Torres – Volume VI, págs. 697-698.
    Nas notas iniciais, dirigidas ao leitor, João Romano Torres,idealizador e editor do mencionado dicionário, explica que tomou como norte, para seu trabalho, “a descrição histórica e corográfica de todas as cidades, vilas e outras povoações do continente do Reino, Ilhas e Ultramar, monumentos e edifícios mais notáveis, tanto antigos como modernos; biografias dos portugueses ilustres antigos e contemporâneos, célebres por qualquer título, notáveis pelas suas acções, pelos seus escritos, pelas suas invenções ou descobertas; bibliografia antiga e moderna; indicação de todos os factos notáveis da história portuguesa, etc., etc.”
    Observe-se a quantidade de informações complexas contidas na proposta de elaboração do Dicionário.
    Para tanto, João Romano Torres contratou numerosos colaboradores, cada um com um método, com sua maneira de investigar, o que deu lugar a certa incoerência.
    Para dar a uniformidade possível ao trabalho, incumbiu para a redação final Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, dando lume à obra, em Lisboa, aos 25 de Março de 1904.
    O que marca esse trabalho é a honestidade de seu editor, quando declara que o Dicionário é composto de “avultadíssimo número de publicações das especialidades de que trata, cuja consulta, nem sempre fácil, é oferecida ao leitor nos seus tópicos mais interessantes.
    Para conseguir este fim temos envidado os maiores esforços.
    É certo que um grande número das imperfeições, que em geral se notam nos dicionários, são especialmente motivadas por uma colaboração variadíssima (o grifo é nosso). Os nomes dos numerosos colaboradores, embora colhidos de entre os mais apreciados no meio literário e científico, originam umas diferenças de opinião, de critério e de método, que tornam a obra inferior, pelo menos na sua unidade. Não há direcção que eficazmente possa obstar a tais defeitos, porque isso reclama muito tempo, grande cautela, a maior atenção e infinita paciência. É forçoso fazer as comparações necessárias e as mais conscienciosas investigações.
    No dicionário “Portugal” procuramos obviar aqueles inconvenientes, confiando-o exclusivamente a dois redactores, cujas faculdades de trabalho nos eram bem conhecidas e penhor de bom desempenho de tal encargo.
    Não ocultaremos os embaraços com que os operosos redactores do “Portugal” têm lutado desde que anuíram em executar o nosso projecto. “Essas dificuldades são as peculiares aos empreendimentos congéneres; já esperadas, não causam desfalecimento”.
    Observa-se, portanto, que o próprio autor concorda que há um grande número de imperfeições e defeitos no Dicionário e, sem dúvida, as informações sobre a origem e a carreira de Francisco Bento Maria Targini incorrem nestas falhas, pois os documentos existentes demonstram outra realidade da ali afirmada.
    O pesquisador que desejar informar a origem de Francisco Bento Maria Targini ou outras figuras da História de Portugal, não poderá se basear somente no Dicionário de João Romano Torres, que honestamente reconheceu que nele poderá haver muitas imperfeições, por ter sido feito por muitas mãos. Haverá a necessidade de obter-se outros documentos, para se confrontar as informações.
    2 – “… Na vida pública, seu primeiro cargo importante foi o de arrecadador de rendas da Província do Ceará”.
    Também não procede esta informação, pois, antes disso, Francisco Bento Maria Targini, recém-formado pela Faculdade de Filosofia e de Matemática da Universidade de Coimbra, aos dezenove anos já assessorava o Marquês de Pombal, nos assuntos financeiros. Exerceu seu primeiro cargo importante em 1776, na Corte Portuguesa, nomeado, aos vinte anos, como Escrivão da Fazenda Real, onde se destacou. Ali serviu durante sete anos, até 1783, quando, então, foi nomeado como escrivão da provedoria da capitania, mediante Patente Régia de Sua Majestade, com todos os privilégios que o cargo trazia e com ordenado igual ao soldo do capitão-mor e governador. (NOTAS PARA A HISTÓRIA DO CEARÁ, Guilherme Studart).
    3 – “Nomeado em 1783, lá permaneceu até 1799”.
    Targini não ficou, como se afirma, até 1799. Foi sim nomeado em 1783 como escrivão da provedoria da capitania do Ceará, mediante Patente Régia de Sua Majestade, mas tendo em vista os desentendimentos com o Governador João Batista de Azevedo Coutinho de Montaury, voltou a Portugal em 1787, onde, novamente, serviu junto à Fazenda Real.
    Somente após 12 anos, com a emancipação da Capitania do Ceará da de Pernambuco e com a criação da Junta de Fazenda Autônoma do Ceará, em janeiro de 1799, Francisco Bento Maria Targini voltou ao Brasil, nomeado por despacho da rainha D. Maria I, já no dia 25 daquele mês, como Escrivão e Deputado da Junta.
    4- “Targini veio para o Rio com a corte em 1807”.
    Targini não embarcou com a Corte, em 1807, pois nessa ocasião se achava no Ceará, exercendo o cargo de escrivão e deputado, na Junta de Fazenda Autônoma daquela Província, para o qual fora nomeado, como acima relatamos, mediante Patente Régia de Sua Majestade. (NOTAS PARA A HISTÓRIA DO CEARÁ, Guilherme Studart).
    Porém, assim que chegou ao Brasil, D. João VI criou, pelo Alvará de 28 de Junho de 1808, o Erário ou Tesouro Geral e Público, e a ele subordinado um Conselho da Real Fazenda. Tendo conhecimento de que Francisco Bento Maria Targini estava no Brasil, convocou-o imediatamente para compor o Conselho da Real Fazenda. Foi assim que Targini voltou a trabalhar junto à Corte, nomeado Tesoureiro Mor, por Alvará de 13 de Outubro de 1808.
    5 – “Ao que parece, sua rápida elevação a homem forte das finanças da época teve o apoio de um poderoso grupo de negociantes ingleses”.
    Note-se que a Drª Isabel Lustosa não afirma que Targini devia sua rápida elevação a homem forte das finanças ao apoio de um poderoso grupo de negociantes ingleses. A historiadora teve o cuidado de informar que “ao que parece” teria acontecido isto. Conjecturas, boatos, que sempre acompanham essas nomeações. Não há nenhuma prova disso. Ao contrário, sua rápida nomeação para o Conselho do Real Erário, quase junto com sua criação, não deu tempo para conchavos ou pressões de quem quer que seja, mas se deu pelo conhecimento de sua capacidade e pela confiança, que D. João depositava em sua pessoa, por já conhecê-lo de Lisboa, quando prestava seus serviços na Corte, desde o tempo do Marquês de Pombal.
    6 – “Santos Marrocos menciona em suas cartas que, no Rio de Janeiro, circulavam muitos pasquins contra Targini com quadrinhas como esta: Furta Azevedo no Paço/ Targini rouba no Erário/ E o povo aflito carrega/ Pesada cruz ao Calvário”.
    Pelo valor que a Drª Isabel Lustosa dá ao depoimento de Santos Marrocos, parece, para quem não o conhece, que se trata de conhecido historiador. Uma simples observação epistolar de Marrocos a seu pai, ganha o valor de um argumento de autoridade, de magister dixit . O que se sabe de Luiz Joaquim Santos Marrocos , filho e ajudante do pai, bibliotecário da Corte, em Lisboa, é que, por ocasião da vinda da família Real ao Brasil, foi designado, para acompanhar e cuidar da Biblioteca , trazida ao Brasil e se encarregar de sua instalação, no Rio de Janeiro. Nunca foi historiador e o que conta em suas cartas ao pai, em tom coloquial, não pode ser tratado como se fosse uma pesquisa, mas como simples notícia, verdade ou não, do que se falava, no momento, no Rio de Janeiro.
    Marrocos adorava frequentar o palácio, aonde ia todos os dias beijar a mão de D, João e recolher as últimas fofocas.
    Quem lê suas cartas, chega a achar graça e a compará-lo ao personagem “O doente imaginário”, de Molière. Fala constantemente em sua má saúde e no sofrimento causado pelo clima do Rio de Janeiro e dos tratamentos que faz para aliviar suas dores.
    Apenas, em uma de suas cartas, relata, casualmente, que leu, em pasquins, quadrinhas que mordazmente brincavam com Targini e Azevedo chamando-os de ladrões do dinheiro público. Os inimigos de Targini, sempre procurando qualquer coisa para difamá-lo, esquadrinharam esta correspondência, dando enorme divulgação da carta de Marrocos e, assim, o tornando famoso.
    Justamente foram essas quadrinhas, vindas da pena de difamadores profissionais, que me levaram a estudar a origem desses textos “difamatórios, tendenciosos, mal intencionados, indecentes e de excelente leitura”, como os classifica o historiador de Harvard Robert Darnton, em seu excelente livro “O Diabo na Água Benta”.
    Darnton trata em seu interessante livro, dos inúmeros escroques desclassificados, como eram chamados os escritores que se dedicavam a enxovalhar biografias alheias. Esses escritores eram chamados de libelistas, isto é, os autores dos “relatos escandalosos das questões públicas e da vida privada das grandes figuras da corte e da capital. Súcia de mascates literários”, como os descreve Darnton.
    Aprendi com o citado historiador de Harvard, que os libelistas, escritores repudiados em seus países, imigravam para Londres, onde havia mais liberdade de expressão, fosse ela para o bem ou para o mal. “Faziam o seu trabalho, em geral, a soldo de políticos que queriam ver a desgraça pública de seus rivais O chefe da polícia da França, já em 1774, os chamava de “excrementos da literatura”, mas em vão, pois eles já faziam parte do próprio sistema político do Antigo Regime. Muitos libelos eram encomendados por gente da corte, que havia percebido a irresistível força da “voz das ruas”, então traduzida pela literatura, para alimentar intrigas e se agarrar ao poder.
    Os libelos, porém, se os estudarmos de perto e os examinar ao longo dos séculos, têm algumas características peculiares. Incorporavam certos ingredientes básicos cujos nomes nos soam familiares: “anedotas”, “retratos”, “nouvelles” (noticias anedóticas ou anedotas noticiosas) mas, na verdade, eram técnicas retóricas consagradas para agradar os primeiros leitores modernos.”
    Ao destruírem reputações, ajudaram a deslegitimar regimes e a derrubarem governos, em diversas épocas e governos”.
    Haja vistas para o plano de destruição da reputação de Maria Antonieta, classificando-a de mulher devassa e cuja mais leve das infâmias que os libelistas lhe atribuíram, e que hoje se sabe que nunca foi dita, foi a frase: “Se o povo não tem pão, que comam brioches”.
    Em Portugal e no Brasil não era diferente. O reinado de d. Maria I e de D. João VI se viram envolvidos pelas grandes mudanças da sociedade, influenciadas pelas doutrinas dos filósofos iluministas, pelas guerras napoleônicas e pelas lutas pela independência encetadas pelas colônias das Américas.
    No Brasil, além de outros, o maior foco dos libelistas era derrubar o homem forte do poder real: Francisco Bento Maria Targini, o leal e incorruptível servidor da Monarquia, apelidado desde o tempo que serviu no Ceará, de “o Cérbero do Erário”, isto é, o terrível cão que vigiava ferozmente as portas do Inferno.
    A postura rígida e austera de Targini, quando se referia a qualquer gasto público, postura esta que lhe integrou o caráter, até o fim de sua vida, sempre irritou profundamente aqueles que tentavam ludibriar, fazer negociatas e apossar-se, indevidamente, de valores que pertenciam ao Real Erário. Por outro lado, seus princípios conservadores, além de ser adepto do Regime Absolutista, por lealdade a seu rei, lhe granjearam poderosos inimigos políticos, seguidores dos princípios liberais ou republicanos, que se juntaram aos demais e faziam de tudo para lhe denegrir o nome, sempre o difamando e tramando, para afastá-lo dos altos e importantes cargos que os Monarcas lhe confiavam.
    Aliás, foi o Próprio D. Pedro I, já no poder, que aprovou as contas apresentadas por Targini, isentando-o de todas as calúnias e, ainda, lhe concedeu uma pensão suficiente para viver com conforto, em seu exílio em Paris. E saiba-se que D. Pedro não morria de amores pelo Tesoureiro Mor, pois, quando mocinho, vivia às turras com Targini, por este lhe negar dinheiro para suas farras e limitar o valor que lhe era concedido, para suas despesas pessoais.
    Se Targini roubasse do Erário, logicamente não se negaria a encher os bolsos do Príncipe, que um dia herdaria o trono, para lhe conquistar a confiança. Mas não. Para ele, o Erário era sagrado e só fazia exceção para D. João VI. Por ser assim, era conhecido como “o Cérbero do Erário”, isto é, o cão que vigiava ferozmente as portas do Inferno.
    Outro escritor, que em seu livro “1808”, se refere a Targini usando informações totalmente inverídicas, copiadas não se sabe de quem, foi Laurentino Gomes.
    Laurentino Gomes, na introdução de seu “best-seller” 1808, declara que para sua consecução procurou dar a versão mais correta possível dos fatos e dos protagonistas da História da corte brasileira no Brasil e, para isto “se baseou em relatos e documentos históricos, exaustivamente apurados e checados”. (Fls.24).
    No entanto, quando às folhas 194 do livro, se refere a Francisco Bento Maria Targini, apresenta uma biografia do Tesoureiro Mor de D. João VI deturpada, em todos os seus termos, indicando como fonte a página 309 do livro de Tobias Monteiro, “História do Império”.
    Assim, escreve que: “De origem italiana, Targini era de família catarinense pobre e humilde. Entrou no serviço público como guarda-livros, um trabalho menor na burocracia do governo da colônia. Como era inteligente e disciplinado, virou escrevente do erário e logo chegou ao mais alto cargo nessa repartição. Com a chegada da realeza ao Brasil, passou a acumular poder e honrarias. Encarregado de administrar as finanças públicas, o que incluía todos os contratos e pagamentos da corte, enriqueceu rapidamente. Ao final do período de D. João no Brasil, sua casa, com dois andares e sótão, situada na esquina da Rua dos Inválidos com Riachuelo, era uma das maiores do Rio de Janeiro.
    Em meio à revolução constitucionalista de março de 1821, foi preso e teve seus bens confiscados. Duas semanas mais tarde, estava solto. Também foi proibido de retornar a Portugal com D. João VI, mas continuou a levar uma vida tranquila e confortável no Brasil”. (Os grifos são da autora do site).
    Ora, ao nos reportar ao livro indicado por Laurentino Gomes como fonte, verificamos que o autor, Tobias Monteiro, faz de Targini um relato totalmente diferente. Nem uma só frase combina com o que se descreve no livro “1808”.
    Em nenhum momento Tobias Monteiro diz que Targini era catarinense, pobre, humilde e que entrou para o serviço público como guarda livros no governo da colônia.
    Tão pouco que “virou” escrevente do erário. E muito menos que “não embarcou com D. João VI, mas continuou a levar uma vida tranquila e confortável no Brasil”.
    O relato que Tobias Monteiro faz de Targini também é totalmente deturpado, sem referência a fontes e documentos, mas não combina com o de Laurentino Gomes. De onde tiraram eles as informações que publicaram? De documentos confiáveis é que não foram.
    Faça-se, pois, justiça, dando-se a conhecer a verdadeira história da vida de um dos mais competentes e honrados servidores do Brasil colonial, primeiro Tesoureiro-Mor, equivalente hoje ao cargo de Ministro da Fazenda.
    Procuremos desfazer, com base em pesquisa de documentos, e não por cópia de autores anteriores, as calunias e difamações usadas como armas para derrubá-lo de seu cargo e afastá-lo de D. João VI, a quem dava seu poderoso apoio para sustentar o poder real do monarca.

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  21. Este ” A Fuga da Família Real Portuguesa” ou “A Vinda da Família Real”, embora cheia de fatos interessantes, não é realmente um estudo sério. Está mais chegado a chanchadas e novelas da Globo, em sua linguagem do que a um documento histórico. É uma verdadeira coletânea de fofocas. Creio que foi graças à vinda da família real, principalmente aos irmãos, D. Pedro I e D. Pedro II, que o Brasil não se transformou em dezenas de Banana-Repúblicas, tão comuns nas Américas do Sul e Central. Para uma leitura mais séria sugiro: Dom Pedro: the struggle for liberty in Brazil and Portugal, 1798-1834, port Neill Macaulay. Espero que haja alguma edição em português.

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  22. Laurentino Gomes agregou vários fatos interessantes sobre a história da vinda da família real para o Brasil porém o estilo literário é mais apropriado para uma coluna de fofocas de um jornaleco como “o Globo”!

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  23. Laurentino Gomes agregou vários fatos interessantes sobre a vinda da família real para o Brasil e até o golpe republicano, porém o estilo literário é tendencioso e medíocre; é mais apropriado para coluna de fofocas de jornalecos de segunda classe!
    Para aqueles realmente interessados que procuram um estudo mais sério e elegante, sugiro o livro do historiador Neill Macaulay, “Dom Pedro: the struggle for liberty in Brazil and Portugal, 1798 – 1834”; publicado pela Duke University Press, livro este que sinceramente espero que já haja sido publicado português.

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  24. Os fãs de Laurentino Gomes, no site do escritor, em vez de irem procurar as verdades dos fatos, depois de minha crítica, fizeram uma guerrinha contra mim, chamando-me de invejosa e exaltando o autor e o livro 1808. Tem razão Darnton. O povão acredita em qualquer coisa que venha escrita. Vejam como está a situação do Brasil, por isto.

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  25. Maria Sylvia Toledo, a situação portuguesa hoje em dia responde como foi o passado das “inglórias” lusitanas. Essa glória que começou com um êxito máximo nas Grandes Navegações e acabou no ostracismo de uma nação que “não queria” crescer como o restante da Europa no século XVIII. Se fosse uma nação que deixaste um legado bom, certamente seria uma nação modelo não achas? O que é Portugal hoje em dia senão o país de Cristiano Ronaldo??
    Piada vocês quererem achar que tudo na História foi tão formal assim. Promiscuidades, erros e acertos, medos e valentias sempre fizeram parte da raça humana e contar isso não é desrespeito e sim mostrar que todos nós somos humanos.

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  26. Uma observação. No texto acima (no parágrafo iniciado como “Um fato curioso é que a princesa Carlota Joaquina”…), o autor da resenha diz que as damas da corte, ao descer em Salvador, usavam turbantes para ocultar a cabeça raspada por causa de piolhos. Perfeito. Laurentino Gomes de fato conta isso no livro (1808, p, 145), e cita a fonte de onde extraiu a informação. Só que, segundo Laurentino e a fonte (Tobias Monteiro, História do Império), o fato ocorreu depois, na chegada ao Rio de Janeiro, e não em Salvador.

    Logo, a conclusão do resenhista de que “até hoje as baianas usam a indumentária” (por imitação às damas portuguesas) está completamente deslocada. E, hoje, baiana de turbante é sinônimo de negra. Será que as negras baianas usam seus turbantes originários da África por imitação às damas da corte de Dom João?

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  27. Pela escrita, o texto mais parece um ataque de sentimento pessoal ao regime e as personagens históricas do que um conteúdo informativo digno de referência. Usa a boa bibliografia de Laurentino Gomes como guia, mas perde-se pela via difamatória que a maioria busca em tomadas de conhecimento histórico. Servindo, esse, apenas para multiplicação ou doutrinação do pensamento do autor aos leitores menos independentes do que como ferramenta de formação pessoal de pensamento. É um pena!

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  28. Esse autor Laurentino Gomes e esse livro em especial são odiados por escritores portugueses, a lista de críticas ao livro são infindáveis principalmente por ser uma obra leviana, tendenciosa e sem embasamento histórico respeitável. O lívro de Laurentino é descrito como um espetáculo de sensacionalismo barato, com uma capa apelativa e comercial.

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