O longo século XIX: da descolonização à República

O longo século XIX:
da descolonização à República

por Carlos Guilherme Mota (Historiador)

Como os outros séculos, o XIX ultrapassa os limites convencionais no tempo. Afinal, quando começa e quando termina?

A Independência do Brasil de 1822 pode ser considerada um marco inaugural. Mas ela tem suas origens no último quartel do século anterior, desde a Inconfidência Mineira (1789) e a Conjuração dos Alfaiates na Bahia (1798), quando se iniciou o longo processo de descolonização, que se estende por toda a primeira metade do século. Mais concretamente, porém, o século XIX começa em 1808, com a chegada de João VI e da família real portuguesa, fugindo das tropas de Napoleão, quando se abrem os portos “às nações amigas”, dando-se estatuto privilegiado à Inglaterra e aparelhando-se a capital do império luso-afro-brasileiro, no Rio de Janeiro.

O Rio de Janeiro torna-se uma cidade cosmopolita, reúne grande quantidade de artistas, escritores, cientistas, comerciantes, diplomatas, financistas, jornalistas e demais profissionais, que dão um novo tom à vida social, política, econômica e artística no Brasil. A nova nação passa a se beneficiar da intensa internacionalização, inserindo-se no circuito mundial, livre do constrangimento do sistema colonial, seus novos interesses ligando-se aos movimentos das principais bolsas dos países centrais e aos portos internacionais de Liverpool, Havre, Nova Iorque, Bordéus, Baltimore, Barcelona e inúmeros outros.

O processo de descolonização continua no transcorrer do século, e nele se afirmam as novas elites nativas, conscientes de seu papel nos negócios do Estado e nas relações internacionais. Esse processo revela-se na série de movimentos liberais e liberais-nacionais, desde a insurreição republicanista no Nordeste, em 1817, com foco em Pernambuco, até a Independência de 1822, depois da expulsão de Pedro I em 1831 e nos conflitos, levantes e revoluções do período regencial (1830-1840), quando Pedro II assume a coroa, dando início à “Paz” do Segundo Império. O Brasil entrava assim para o sistema mundial de dependências sob a tutela inglesa. O historiador carioca José Honório Rodrigues afirma que, durante tres décadas, o Brasil tornou-se um “protetorado inglês”.

Ao longo do século, articulou-se, entretanto, o complexo sistema oligárquico-imperial (1822-1889), cristalizando-se num modelo político e burocrático nacional de grande poder. Numa longa sucessão de conflitos, e sob a forte pressão da Inglaterra, deu-se a abolição da escravatura (1888) seguida da proclamação da República (1889). Esses dois acontecimentos foram decisivos na criação de condições para a implantação de uma ordem capitalista moderna. Concomitantes, a imigração européia e a introdução do trabalho assalariado acabariam por mudar a fisionomia da nova Nação.

Única monarquia na América do Sul, no Brasil tropical plasmou-se uma sociedade aristocrática de cunho nitidamente escravista. Escravismo que penetrou fundo nas instituições e, sobretudo, nas mentalidades. Tinha razão, pois, o estadista da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, que, sem sucesso, defendera na Assembléia Constituinte de 1823 a abolição gradual em cinco anos, dessa “vergonha para qualquer povo civilizado”. Como se sabe, o velho Patriarca sairia preso e seguiria para o exílio em Bordéus. Venceram o senhoriato escravista e os “negreiros” portugueses e luso-brasileiros, reforçando um padrão civilizatório que seria anos depois repudiado por Charles Darwin, o pai do evolucionismo.

O século XIX foi decisivo no plano social e nos embates políticos. Desde a revolução republicanista da Confederação do Equador, em Pernambuco, (1824), inspirada no modelo republicano estadunidense, em que se destacou frei Caneca, até a Guerra dos Farrapos (1835), no Rio Grande do Sul, as lutas sociais sinalizam a construção de uma sociedade fora dos limites estreitos do modelo colonial. Em seguida, a Guerra contra o Paraguai, a guerra da Tríplice Aliança (1865-70), revela a face brutal do imperialismo neocolonial britânico, provocando a reação dos jovens militares que, ao se recusarem a ser capitães-do-mato em terras estrangeiras, criaram as condições para a expansão do movimento republicano.

No plano econômico, ao longo do período, representantes de interesses ingleses, franceses, belgas, alemães etc. definiram novos padrões de organização da produção e dos negócios, obrigando a máquina do Estado a se aprimorar. Mudavam-se os costumes, e as “novidades” européias e norte-americanas entravam em ritmo acelerado: livros, o navio a vapor, o daguerreótipo, depois os trens, as construções em aço, mais tarde a vacina e o telefone. No plano propriamente intelectual, assiste-se ao surgimento da figura maior da literatura já especificamente brasileira, o mulato Machado de Assis. Todavia, no plano econômico, a implantação de um novo tipo de capitalismo, em que figuras modernizadoras como a do barão de Mauá não teriam condições de prosperar.

Sob a placidez aparente da vida imperial, entretanto, esconde-se a verdadeira fisionomia da “nova Nação independente”: a nova oligarquia, gerada pela economia cafeeira ao longo do período, mostrará seu poderio mas também sua fraqueza. A República de 1889 nascerá de um golpe militar, não acolhendo as forças mais progressistas dessa sociedade que não se quer mais escravista. O escritor negro Lima Barreto poderá, talvez, ser pensado como consciência-limite da ordem republicana, que não o aceita. A República Velha (1889-1930), afinal, era excludente, branca e oligárquica.

Quando termina o século XIX? Conforme a perspectiva, ele se encerra nas primeiras décadas do século seguinte. No plano social, com os movimentos de trabalhadores que param o Porto de Santos em 1900. Ou na cidade de São Paulo, com a famosa greve de 1917, seguida da Revolução de 1924. No plano cultural e político, em 1922, com a ruidosa Semana de Arte Moderna e, também, a revolta tenentista-reformista do forte de Copacabana e a fundação do Partido Comunista. No plano mais geral, dados seus efeitos, com a grande crise internacional de 1929, que muda o padrão civilizatório, inaugurando nossa história contemporânea com a Revolução de 1930.
Examinando mais de perto essa história, verifica-se que, ainda hoje, a independência do Brasil, cuja data oficial é 7 de setembro de 1822, constitui tema de profundas controvérsias. O historiador argentino Tulio Halperin Donghi afirma que “a independência brasileira ocorreu sem uma luta que merecesse esse nome”. Mas o citado José Honório discorda, ao provar que foram mobilizados mais contingentes nas lutas no Brasil do que em toda a emancipação das ex-colônias espanholas na América, embora concorde que “não houve ruptura do regime colonial, que sobreviveu com o absolutismo do regime imperial, com a legislação arcaica, relativa imobilidade administrativa, e com a alienação das elites”.

No começo do século, o sistema continental criado por Napoleão tinha o objetivo de privar a Inglaterra de seus mercados no continente europeu. Portugal se negava sistematicamente a aderir ao bloqueio, pois dependia da proteção da Inglaterra para manter suas posses coloniais. Daí Napoleão ter decidido invadir o reino, fechando os portos da Europa continental aos produtos fabricados na Inglaterra.

Pressionado a tomar o partido de sua tradicional aliada e protetora, Portugal foi arrastado na correnteza dos eventos que se seguiram, perdendo definitivamente sua colônia americana. A fuga da família real portuguesa, em 1807, amparada pela marinha de guerra britânica, selou o destino da colônia luso-brasileira. No final de 1807, devido à invasão do reino pelas tropas francesas do general Junot, a família real e a corte portuguesa fugiram do reino, sob escolta inglesa. Eis a tragédia, nas palavras do historiador Alan Manchester:
“Entre oito e quinze mil pessoas, e metade da moeda em circulação no reino, estavam a bordo dos trinta e seis navios, além da mobília que foi possível acomodar. Oitenta milhões de cruzados de tesouro acompanhavam a frota”.

A transferência da corte de Portugal para o Brasil marca o início de uma nova fase na vida da colônia.

O Rio de Janeiro tornou-se sede do Império português. Além da mudança da corte, alterou-se a situação colonial do Brasil. Em janeiro de 1808, após desembarcar na Bahia, o príncipe regente João VI decretou a abertura dos portos brasileiros “às nações amigas”. A medida permitiu a presença de comerciantes estrangeiros no Brasil. A abertura dos portos beneficiou a Inglaterra, que se tornou a “nação mais favorecida” no comércio com o Brasil. Os mercados coloniais tornaram-se a retaguarda da Inglaterra durante o período das grandes guerras contra a França revolucionária e napoleônica iniciadas em 1793.

A mudança da corte teve como conseqüência a formação de uma estrutura administrativa, que incluiu a criação do Banco do Brasil, da Junta Geral do Comércio e da Casa de Suplicação, ou Supremo Tribunal. Nesse período, a monarquia empreendeu várias campanhas expansionistas, procurando anexar mais territórios ao norte em 1808 e, ao sul, em Montevidéu, em 1817, quando tropas luso-brasileiras entraram na cidade e anexaram o território da Província Cisplatina.

A inversão da situação colonial estimulou a instalação de manufaturas no Brasil, antes proibida. Como conseqüência dessa medida, surgiram algumas fábricas e manufaturas que, apesar de sofrerem a concorrência inglesa, conseguiram sobreviver. As usinas de ferro em São Paulo e Minas Gerais, dirigidas por estrangeiros, foram bem-sucedidas.

A abertura dos portos foi responsável também pela expansão do comércio de produtos tropicais. O período das guerras napoleônicas favoreceu a expansão do comércio desses gêneros. A queda do Antigo Regime e a ruptura dos laços coloniais provocou a desorganização da produção nas colônias espanholas e francesas, principais concorrentes do Brasil. A falta de produtos tropicais no mercado europeu foi responsável pela alta dos preços que beneficiou os produtores luso-brasileiros. Os principais produtos exportados pelo Brasil, açúcar, algodão, café, tabaco, arroz, cacau, especiarias e couros, tiveram mercado garantido na Europa, enquanto duraram as guerras napoleônicas.

A abertura dos portos contribuiu para que as idéias revolucionárias francesas atravessassem o Atlântico. Em 1817, ocorreu a primeira grande insurreição republicana no Nordeste brasileiro, a chamada Revolução Pernambucana. O movimento republicano eclodiu em Pernambuco em 1817, e se irradiou por quase todo o Nordeste brasileiro. Liderados por comerciantes, membros de sociedades secretas adeptos das idéias dos filósofos franceses e partidários da república norte-americana, os rebeldes expulsaram o governador, implantaram um governo provisório e promulgaram uma Constituição. A Revolução teve apoio no Rio Grande do Norte e na Paraíba. No Ceará, o movimento foi rapidamente sufocado. Na Bahia, o governador organizou a brutal repressão aos revolucionários. Tropas e navios foram enviados de Salvador e do Rio de Janeiro para bloquear o Porto do Recife. Em poucos meses, os revolucionários foram submetidos por forças luso-brasileiras. A punição dos principais líderes do movimento de 1817 foi violenta: a maioria sofreu a pena de morte. Mas ficou a memória, dilacerada.

Num plano regional, Pernambuco ocupava posição dominante em relação aos vizinhos. Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Sergipe eram áreas articuladas através do pólo dinamizador localizado no Porto de Recife. As hinterlândias dessas Capitanias estavam direta ou indiretamente subordinadas aos estímulos e aos movimentos de conjuntura que se faziam sentir no porto principal da região, escoadouro das produções de algodão, açúcar e, em menor escala, couros, pau-brasil, aguardente, mel e arroz.

A persistência de velhos conflitos de natureza econômica e social nessa vasta área demonstram que, em 1817, nenhuma transformação substancial ocorrera com a chegada da corte em 1808. O resultado foi o agravamento do quadro de tensões que, por vezes, degenerava em conflito aberto. Os problemas oriundos da esfera de subsistência não eram poucos, dada a natureza mesma da economia baseada na agricultura de exportação, que continuava predominante: à escassez da produção de gêneros de primeira necessidade somavam-se as mazelas advindas das secas, que periodicamente assolavam a região.

A ruptura, entretanto, ocorreria por outro motivo. A derrota de Napoleão, em 1814, encerrou um longo período de guerras que afetou toda a Europa e o mundo colonial. A situação em Portugal era crítica: a retirada dos franceses havia deixado o reino empobrecido. O comércio colonial, principal fonte de renda dos comerciantes portugueses havia desaparecido com a abertura dos portos. O descontentament alastrou-se, provocando um movimento que exigia a volta da família real para Lisboa.

Em 1820, uma revolução liberal e constitucionalista no Porto obrigou o rei João VI a voltar para a metrópole. No ano seguinte, movimentos a favor das cortes portuguesas eclodiram em vários pontos do Brasil, depondo os governadores e criando juntas provisórias de governo. As cortes portuguesas exigiram que João jurasse fidelidade à constituição. Sob pressão, João VI volta para Portugal, mas deixa seu filho, Pedro, como príncipe regente.

Na realidade, uma das principais preocupações dos revolucionários portugueses era reconduzir o Brasil ao regime de colônia. Para isso, contavam com o apoio dos comerciantes portugueses, tanto no Brasil como em Portugal. As atitudes recolonizadoras das cortes portuguesas e a agitação popular no Brasil apressaram o desenlace do processo de independência. A ruptura com Portugal tornara-se inevitável. Havia interesses contra e a favor da emancipação do Brasil. Dentre estes, restava saber qual das facções assumiria a liderança do processo de independência.

O “partido português”, formado por comerciantes ligados aos monopólios portugueses, apoiava a manutenção dos laços coloniais e o retorno ao regime colonial. Contava com o apoio das tropas de linha portuguesas, concentradas no Rio de Janeiro e nos portos do norte e nordeste do Brasil. Os membros do “partido brasileiro”, formado pelos produtores de gêneros tropicais de exportação, pretendiam continuar vendendo seus produtos diretamente para os consumidores europeus, sem a participação dos intermediários portugueses. Os representantes do partido brasileiro contavam com o apoio dos grupos que se beneficiavam com a manutenção da corte no Brasil: funcionários da administração que haviam ficado após a partida de João VI, financistas e comerciantes europeus, principalmente ingleses e franceses.

As forças populares acreditavam que o processo de independência traria uma perspectiva de mudança nas condições de vida da maioria da população. Seus porta-vozes eram adeptos do “partido liberal-radical”, de orientação republicanista. Contavam com o apoio de uma minoria de proprietários rurais do nordeste e de representantes das camadas médias urbanas: pequenos comerciantes, boticários, jornalistas, padres e homens livres sem posição definida.

Se o movimento contra a recolonização ganhou força, por outro lado as tendências republicanas, presentes desde a Revolução de 1817, colocavam em risco a manutenção da monarquia e de sua principal base de sustentação: o trabalho escravo. Tanto o “partido brasileiro” como o “partido português” temiam as conseqüências da agitação popular. O fantasma da revolução dos escravos negros do Haiti e das guerras de independência das colônias da América espanhola sugeriam que o mesmo pudesse ocorrer no Brasil. O maior temor dos membros dessa elite era ter de ampliar a base de participação num futuro governo independente. O principal objetivo desses grupos era manter a monarquia e a escravidão.

Orientado por José Bonifácio de Andrada e Silva, o príncipe regente Pedro proclamou a independência em 7 de setembro de 1822. Dessa forma, o absolutismo do príncipe regente e a ordem escravista das elites ficaram a salvo dos ataques das cortes e da “anarquia” dos liberais radicais. Assim nascia a nação brasileira.

Pedro, primeiro imperador do Brasil, pretendia favorecer a futura reunião do império português. Em 1823, os liberais instalam a Assembléia Constituinte para formular uma política nacional, mas é dissolvida pelo imperador. No ano seguinte, 1824, uma constituição outorgada institui uma monarquia liberal e parlamentar.

Ao contrário do que aconteceu nas ex-colônias espanholas da América, a independência do Brasil consolidou um regime monarquista de base escravista. Os Estados Unidos reconheceram a independência do Brasil em 1824, aplicando a doutrina Monroe (1823), que pregava a “América para os americanos”. A Inglaterra reconheceu a independência do Brasil em 1825, e consolidou seus privilégios de nação mais favorecida no comércio com o Brasil, renovando a jurisdição extraterritorial dos súditos britânicos no Brasil.

Os privilégios concedidos à Inglaterra contrariaram os patriotas brasileiros, que retiraram o apoio dado a Pedro I. Isolado, Pedro foi deposto em 1831, tendo que retornar a Portugal, onde, com o nome título de Pedro IV, assumiu posição liberal, pelo menos em relação aos partidários miguelistas absolutistas. Assim, 1831 pode ser considerado o ano da verdadeira independência.

A nova fase da história do Brasil que se inaugura, o período regencial (1831 a 1840), foi turbulento, registrando-se vários movimentos separatistas e revoltas populares em diversos pontos do País, reprimidas pelo Estado centralizador em nome da “unidade nacional”. Ao longo do século XIX, o império brasileiro se afirmaria a partir da repressão a todos os movimentos dissidentes e de emancipação com caráter regional, republicanista, federalista, liberal-democrático ou abolicionista. A Revolta dos Malês e a Sabinada, na Bahia, a Balaiada, no Maranhão, o movimento dos Cabanos, no Pará, e a revolta Farroupilha, no Rio Grande do Sul foram um desafio para o poder central. A derrota desses movimentos reafirmou a ordem imperial e consolidou o Estado nacional.

No transcorrer do século, os desequilíbrios internos se acentuam. Consolida-se o regime monárquico e a unidade nacional, mas se revitaliza o regime de trabalho escravo. A dependência neocolonial com relação à Inglaterra define-se por meio de tratados comerciais que atrelam a economia brasileira à potência hegemômica da época.

O estabelecimento da ordem imperial com a maioridade de Pedro II, a partir de 1840, não teve como resultado a “paz” proclamada pelos cultores da imagem ilustrada do imperador. As revoluções liberais de 1842, em Minas Gerais e São Paulo, a Rebelião Praieira de 1848, em Pernambuco, as guerras no Prata e a Guerra do Paraguai (1865-1870), além dos constantes levantes de escravos durante quase todo o período, indicam a instabilidade social permanente.

O segundo reinado durou mais de quarenta anos. O impacto das mudanças em curso nos países industrializados da Europa atingiram o Brasil, provocando modificações em nossa sociedade e economia. A pressão externa resultou na abolição do tráfico de escravos, mas, apesar disso, os produtores rurais brasileiros continuaram a utilizar a mão-de-obra escrava até sua completa abolição em 1888.

O eixo econômico do Império deslocou-se do norte e nordeste para o centro-sul. A mudança da base de sustentação financeira do Império se deu graças à expansão do cultivo de café, que se transformou no principal gênero de exportação do Brasil. A corte do Império ficou mais perto de sua principal fonte de receita: os impostos sobre a exportação e importação. As convulsões sociais que abalaram a regência cessaram e o parlamentarismo se afirmou como mecanismo político do segundo reinado.

Durante o século XIX, o Brasil tornou-se um dos principais parceiros comerciais da Inglaterra, na América. Londres tornara-se o principal entreposto para a redistribuição de produtos tropicais e a Inglaterra era a maior fornecedora de produtos manufaturados para o Brasil. Ademais, o governo imperial dependia do dinheiro dos banqueiros ingleses para saldar o déficit da balança comercial do Brasil com a Inglaterra.

Todos esses motivos permitiam que a Inglaterra interferisse em questões internas do Império. Durante os movimentos sociais da regência, ela teve interesse em manter o Império unido: por isso facilitou créditos e forneceu armas para lutar contra os rebeldes separatistas. Por outro lado, desde a assinatura dos primeiros tratados comerciais, a Inglaterra pressionava o governo para abolir o tráfico de escravos. E o tráfico era o único gênero que havia permanecido sob o controle dos comerciantes portugueses.

No início do século XIX, o Brasil contava com aproximadamente quatro milhões de habitantes, dos quais mais da metade eram escravos. Os produtores rurais continuavam a depender da importação de trabalhadores escravos, devido às altas taxas de mortalidade vigentes nesse contingente da população.

Se até o final do século XVIII os negreiros ingleses haviam lucrado com o tráfico de escravos africanos para a América, agora, com a Revolução Industrial, a Inglaterra procurava ampliar seus mercados consumidores, tanto na Africa como no Brasil. Os escravos não consumiam quase nada daquilo que era exportado pela Inglaterra: a alimentação era produzida nas propriedades ou trazida de outras províncias, e a roupa de algodão rústico era produzida localmente.

A pressão da Inglaterra pela abolição do tráfico começou em 1810, durante as negociações que resultaram no primeiro tratado comercial assinado com a corte portuguesa refugiada no Rio de Janeiro. Em 1815, no Congresso de Viena, a Inglaterra conseguiu aprovar a abolição do tráfico de escravos no hemisfério norte: os negreiros portugueses, principais fornecedores de escravos para o Brasil, após a independência, não podiam mais buscar escravos nos mercados do golfo da Guiné. Em 1817, a Inglaterra instituiu o Direito de Visita. A partir desse momento, a Inglaterra julgava-se com o direito de realizar vistorias nos navios em alto-mar. Finalmente, em 1826, o governo imperial comprometeu-se a abolir o tráfico no prazo de três anos. O Império só cumpriu sua parte em 1831. A partir desse ano, o comércio de escravos tornou-se ilegal para as autoridades brasileiras.
Apesar disso, as sucessivas regências, representando os interesses dos proprietários exportadores, não fizeram cumprir a lei. Prova disso é que o número de escravos importados aumentou vertiginosamente durante esses anos. A repressão da Inglaterra aos negreiros aumentou em igual proporção. A tensão entre as autoridades do Império e a Inglaterra chegou a seu ponto máximo em 1845. Nesse ano, o parlamento inglês aprovou o Bill Aberdeen, ato que permitia a repressão aberta ao tráfico. O governo de Pedro II protestou contra a pressão da Inglaterra, mas a repressão inglesa assumiu proporções inéditas até então. Navios ingleses invadiram portos no litoral do Brasil com o pretexto de perseguir navios negreiros. Em 1850, cedendo à pressão da Inglaterra, o governo imperial promulgou a lei Eusébio de Queirós, abolindo o tráfico de escravos africanos.

A falta de braços na lavoura foi a conseqüência imediata da abolição do tráfico de escravos africanos. O problema da falta de trabalhadores escravos tornou-se mais agudo nas províncias do norte e do nordeste. O fim do tráfico trouxe como resultado o aumento do preço dos escravos: daí os proprietários das províncias do norte e do nordeste venderem seus escravos para os prósperos cafeicultores do sul. Para contar com mais trabalhadores, os proprietários e o governo tentaram atrair imigrantes europeus. A convivência entre trabalhadores escravos e trabalhadores livres não foi bem-sucedida. Apesar disso, entre 1850 e 1889, 800.000 imigrantes europeus entram no Brasil.

A abolição do tráfico teve como resultado a liberação de capital que antes era utilizado na compra de escravos. Outros setores da economia beneficiaram-se com a medida, sobretudo o setor financeiro, o comércio, o setor de transportes e de serviços públicos.

O dinheiro resultante da exportação do café permitiu a construção de sistemas de transportes para facilitar o escoamento da produção. Em 1850, foi inaugurada a São Paulo Railway, ferrovia que ligava Santos a Jundiaí, como as outras financiada por capitalistas ingleses.

Como se sabe, uma das principais características da chamada Segunda Revolução Industrial foi a exportação de capital. No Brasil, os capitalistas ingleses investiram no setor de transportes, financiaram a construção de ferrovias e criaram companhias de navegação e companhias de transportes urbanos. A introdução de novos meios de transportes e comunicações modificou a vida das populações urbanas e rurais. O isolamento das fazendas diminuiu, facilitando o escoamento da produção. No final do século XIX, o café era responsável por 60% das exportações do Brasil para os países industrializados, e a borracha e o cacau despontavam como novos produtos de exportação.

O látex era conhecido pelos índios da região da floresta amazônica e figurava entre as chamadas “drogas do sertão”. A descoberta do processo de vulcanização do látex pelo norte-americano Charles Goodyear, em 1842, permitindo sua utilização em escala industrial, foi responsável pela expansão dessa indústria. No final do século, o surgimento dos automóveis e dos pneus criou um mercado para o látex. Com o aumento da demanda, a região norte atraiu os sertanejos nordestinos que fugiam das secas de 1887 e 1880. Cerca de 260.000 migrantes nordestinos tornaram-se seringueiros.

Em 1912, a borracha pesava tanto quanto o café na pauta de exportação. A exploração e comercialização do cacau, outra “droga do sertão” da região amazônica, também ganharia impulso no final do século XIX. A região do sul da Bahia tornou-se o principal centro produtor de cacau: o Brasil passou a ser responsável por mais da metade da produção mundial no início do século XX.

Durante a maior parte do século XIX, o Império manteve-se isolado do resto do continente. A única região do continente em que o Império participou ativamente, chegando à intervenção militar, foi a do Prata. A questão da livre navegação dos rios resultou na Guerra contra o Paraguai, o maior conflito armado da história da América do Sul.

Logo depois da independência, a maioria dos Estados americanos aceitou a hegemonia comercial e financeira da Inglaterra. O Paraguai havia sido uma exceção: fechou suas fronteiras aos estrangeiros e promoveu o desenvolvimento autônomo. O resultado do isolamento paraguaio fôra benéfico para a população: em 1840, o Paraguai erradicou o analfabetismo. A indústria artesanal paraguaia fabricava produtos que substituiam as importações de manufaturados ingleses.
A Inglaterra, potência hegemônica mundial, não via com bons olhos o exemplo paraguaio. Os desentendimentos entre os países vizinhos, fomentados e financiados pela Inglaterra, logo surgiram. Devemos lembrar que a Inglaterra era também a principal fornecedora de material bélico para os países da bacia do Prata. O Brasil levantou a questão da livre navegação do rio Paraguai e das fronteiras entre os dois países. A Argentina e o Uruguai uniram-se para garantir a livre navegação dos rios. Em 1865, temendo uma invasão de forças uruguaias, o Paraguai atacou o Brasil e tomou a província de Mato Grosso. Em seguida, atacou a província argentina de Corrientes. Como resposta aos ataques paraguaios, o Brasil, a Argentina e o Uruguai formaram a Tríplice Aliança.

A Tríplice Aliança conseguiu derrotar o Paraguai, mas a crise financeira provocada pelos elevados gastos com a guerra, minou a estabilidade financeira do Império. O saldo da guerra foi alto: cerca de 600.000 mortos. O Brasil perdeu 33.000 homens nos campos de batalha. O fim da guerra significou o fim do sonho isolacionista do Paraguai, que se tornou um protetorado do Império do Brasil. A ocupação militar do Paraguai só terminou em 1872.

Em 1885, o café dominava o quadro de exportações brasileiras, com 62% do total. O açúcar era responsável por apenas 11% das exportações e o algodão, cujo cultivo se expandiu por ocasião da falta de fornecimento norte-americano, provocado pela guerra civil, agora não contava. Com as finanças abaladas, devido à falta de apoio econômico e ao aumento da dívida externa, o sistema financeiro imperial não resistiu. A bancarrota do visconde de Mauá sinalizava a extensão da crise financeira.

Não por acaso, o descontentamento dos militares com a monarquia atingiu seu ponto mais alto durante a década de 1880. O Clube Militar, fundado em 1887, reunia setores do exército que se opunham ao regime imperial. Os oficiais mais jovens, adeptos da filosofia positivista difundida nas Escolas Militares pelo general Benjamin Constant Botelho de Magalhães, consideravam-se mais preparados para governar do que as autoridades civis.

A crise do trabalho escravo agravou-se progressivamente a partir de meados do século, quando o tráfico foi abolido. Em 1871, é promulgada a lei que dá liberdade aos filhos de escravos, a Lei do Ventre Livre, provocando a diminuição da população escrava: 2,5 milhões em 1850, 1 milhão em 1874, 700 mil em 1887. A abolição deu-se em 1888, sem a discutida indenização aos proprietários de escravos, desarticulando o apoio político das oligarquias escravistas à monarquia. O liberalismo ganha conteúdo republicanista, sobretudo em São Paulo e em Minas Gerais, e obtém apoio do exército, que leva o marechal Deodoro da Fonseca ao golpe de 15 de novembro de 1889. Desse golpe nasce, então, a República.

Em 1889, com 14 milhões de habitantes, o Brasil republicano preparava-se para uma nova fase, ainda dentro dos limites da dependência inglesa. Os republicanistas desejavam que a mudança de regime tivesse, como resultado, maior participação da população na vida política nacional. Apesar disso, outros republicanos pretendiam manter o modelo de exclusão política sob uma nova fachada institucional. Os próprios militares, que lideraram o golpe armado, não pretendiam abrir o novo regime à participação popular. Durante os primeiro cinco anos da República, a presidência foi ocupada por militares, passando, depois, para o comando de representantes dos proprietários rurais de São Paulo e Minas Gerais, na chamada política do café (São Paulo) com leite (Minas Gerais).

Publicidade

5 comentários em “O longo século XIX: da descolonização à República”

Obrigado pela sua participação!

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

%d blogueiros gostam disto: