O primo desventurado

O primo desventurado
Tudo deu errado para Maximiliano, imperador do México. Nem o parentesco com D. Pedro II o salvou do pior dos fins: o fuzilamento
Javier Torres Medina

Dois primos, dois grandes impérios na América, uma hegemonia familiar que transformaria o continente. O sonho do arquiduque Maximiliano, subitamente lançado ao posto de imperador do México, incluía D. Pedro II e uma poderosa aliança com o Brasil. Mas nunca chegou nem perto de se realizar. Em apenas três anos, desmoronou e virou tragédia.

D. Pedro II (1825-1891) e Maximiliano de Habsburgo (1832-1867) provinham de ramos distintos da nobreza austríaca. O parentesco estimulou o novo imperador a buscar o apoio do primo assim que assumiu o governo mexicano, em 1864. Até porque sua sobrevivência esteve sempre por um fio e qualquer apoio externo seria bem-vindo. Não faltaram tentativas de aproximação por cartas e pela via diplomática. Tudo em vão: os dois países não assinaram qualquer tratado e mantiveram relações bastante frias. D. Pedro II sequer chegou a reconhecer como legítimo o governo de seu primo. Para conhecer os motivos dessa rejeição em família, é preciso olhar para o contexto da época.

Maximiliano tinha 32 anos quando foi enviado ao México para se tornar imperador. Haviam se passado dois anos desde a invasão do país pela França, motivada por razões econômicas, especialmente a moratória que o então presidente do México, Benito Juárez (1806-1872), decretou sobre a dívida externa do país. É claro que as intenções do imperador francês Napoleão III (1808-1873) iam bem além de uma simples ocupação militar. Seu projeto era a implantação de um império latino-americano católico que pudesse representar um freio à influência anglo-saxônica no continente. Uma vez que os franceses obtiveram o controle do país, uma junta de notáveis ofereceu o trono a Maximiliano da Áustria, irmão mais novo do imperador austríaco Francisco José I (1830-1916).

Depois de uma juventude dedicada à Marinha austríaca, Maximiliano se afastara da vida pública, vivendo em seu castelo italiano de Miramare, em Trieste, com a esposa, Carlota Amália da Bélgica (1840-1927). Aceitou o convite com a condição de saber se a população mexicana apoiava a medida. Os franceses não tardaram em providenciar a resposta, encomendando um plebiscito. O resultado foi o que eles queriam ouvir: havia uma vontade popular favorável ao novo imperador. Mas, ao chegar, Maximiliano encontrou uma situação muito mais complicada do que esperava.

Em maio de 1864, desembarcou em Veracruz, onde foi recebido com frieza. Nas outras cidades pelas quais passou com sua esposa, contudo, o povo os acolheu calorosamente. Havia esperança de que, sob seu comando, a situação mexicana melhorasse. O novo casal imperial prometia acabar com a guerra civil e trazer para o país os benefícios da civilização e do progresso. A situação do México, porém, não se estabilizou. Pelo contrário: como nem todos estavam de acordo com a ocupação francesa, uma forte oposição contra os monarcas europeus foi encabeçada pelo ex-presidente Juárez. Segundo ele, Maximiliano e Carlota eram um atentado contra o governo legalmente estabelecido. Para sair da incômoda situação e conseguir legitimar seu império, o monarca passou a buscar acordos, pactos e o respaldo de outras nações já estabelecidas no continente, como o Brasil.

Quatro anos antes, Maximiliano havia se encontrado pessoalmente com D. Pedro II. Numa viagem à América do Sul, fora recebido pelas princesas Isabel e Leopoldina em Petrópolis, e depois rumara até o Espírito Santo para ver o imperador. Amante da botânica e da zoologia, aproveitou a viagem para explorar a natureza tropical. Dizem que levou espécimes de aves, insetos e plantas para a sua coleção particular.

Mas agora a boa vida tinha acabado. À frente do Império mexicano, pressionado por todos os lados, não tardou em escrever para o seu primo brasileiro. As cartas alternavam comentários formais com mensagens de cunho pessoal. Elas revelam as estratégias usadas pelo imperador mexicano para se aproximar do Brasil. Tratando o primo brasileiro por “irmão”, Maximiliano não poupa elogios ao governo que, segundo ele, “desperta a inveja do Novo Mundo”, e evoca possíveis afinidades entre seus impérios: “Tenho pensado nas similaridades que reinam entre nossos dois países e todo o meu desejo é seguir a via traçada por Vossa Majestade para obter bons resultados”.

No afã de criar vínculos econômicos e diplomáticos com o Brasil, Maximiliano condecorou D. Pedro II com o Colar da Águia Mexicana, da Ordem das Grandes Cruzes. Este prêmio só havia sido concedido até então aos soberanos da Áustria e da Rússia. Como retribuição, o imperador brasileiro condecorou a imperatriz Carlota com as insígnias da Ordem Imperial. A imprensa brasileira, contudo, ignorou solenemente o gesto diplomático: os jornais não registram nenhuma menção ao intercâmbio de medalhas.

Um projeto pessoal de Maximiliano também justificava suas investidas. O imperador queria consolidar a hegemonia de dois grandes impérios dos Habsburgo na América, recuperando o prestígio da dinastia. Para isso, pretendia casar seu irmão, o arquiduque Luís Victor, com a filha mais velha de Pedro II, a princesa Isabel, herdeira do trono do Brasil. Mais uma vez os planos de Maximiliano não deram resultado. O imperador austríaco Francisco José soube do plano e não o considerou um bom negócio. Estava mais interessado no futuro europeu da dinastia, e pressionou Luís Victor a desistir.

Mesmo depois das várias tentativas de aproximação, até o começo de 1865 o Brasil ainda não havia reconhecido oficialmente o Império do México. Maximiliano, então, mudou de estratégia: passou a investir no envio de diplomatas ao Brasil. A representação diplomática no Rio de Janeiro passou a ter a mesma importância que tinham as de Viena, Bruxelas, Paris e Roma. Para defender os interesses mexicanos no Brasil, foi escalado D. Pedro Escandón, advogado e agente comercial, filho de uma das famílias mais ricas do México.

Ao chegar, em janeiro de 1865, Escandón logo percebeu o pouco entusiasmo de D. Pedro II e o desprezo cínico que a imprensa devotava ao Império mexicano. Mas os ventos pareciam anunciar tempos melhores. No mês seguinte, Escandón foi recebido pelo imperador do Brasil no Palácio de São Cristóvão, em audiência pública e com todas as pompas. Seguro de que este reconhecimento de Pedro II serviria de fundamento para uma aliança de interesses entre os impérios americanos, Escandón discursou, entusiasmado, dizendo que era preciso “conservar inalteráveis as preciosas relações que sempre devem existir entre dois povos irmãos, identificados em origem, raça, crenças e governo, falando línguas diferentes, mas compreendendo-se facilmente, porque a cordialidade expressa seus pensamentos e simpatias”. Pedro II se limitou a agradecer a prova de amizade de seu “irmão e primo, o imperador do México”. Depois da audiência, Escandón ainda tentou consumar um tratado de comércio com o Império do sul, e propôs que se enviasse um representante brasileiro ao México. Tudo o que conseguiu, no entanto, foram respostas evasivas.

Ao voltar para o México, Escandón comentou que estava convencido do apreço que D. Pedro II sentia por Maximiliano, mas que os brasileiros viam “com antipatia e desgosto nossa transformação política”. Desanimado, deixou o cargo e foi substituído por seu secretário, Antonio Pérez Barruecos, que depois de um ano de luta também concluiu que era inútil sua gestão diplomática nessa corte. A única coisa que se conseguiu dos ministros brasileiros foi a “vaga promessa” de que um enviado do Império brasileiro aos Estados Unidos passaria pelo México para cumprimentar Maximiliano, o que nunca aconteceu. Barruecos argumentou que o problema eram a ausência de súditos mexicanos no Brasil e a escassez das relações comerciais entre os dois países.

Tempos depois se soube pelo jornalista Quintino Bocaiúva (1836-1912) que o governo brasileiro não havia enviado um representante ao México por um motivo muito simples: o Congresso se opôs. Apesar da simpatia do imperador, as decisões estavam nas mãos do Parlamento. Segundo Bocaiúva, a má acolhida dos enviados mexicanos se devia ao fato de que os brasileiros viam o império de Maximiliano como resultado da intervenção armada européia sobre a independência de uma nação americana. Além disso, as boas relações do Brasil com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha faziam com que o imperialismo francês fosse visto com antipatia. A potência americana tinha aberta preferência pelos liberais republicanos oposicionistas, liderados por Benito Juárez.

A política interna do Brasil também não era propícia para uma visão positiva do império mexicano. Foi determinante a pressão dos senhores de engenho, fazendeiros de café e empresários, que temiam perder o acesso aos mercados inglês e norte-americano caso o Brasil estabelecesse relações com o México imperial. Edições do Correio Mercantil e do Diário do Rio de Janeiro, em março de 1867, informavam que a opinião pública brasileira não era nada favorável ao governo de Maximiliano, apesar dos esforços em reconhecer sua legitimidade política. Dizia-se que o regime estava condenado desde sua origem, já que “da Nova Inglaterra à Patagônia não conta com a simpatia de nenhum povo e, se como se espera, as conveniências diplomáticas influenciam seu reconhecimento, não passará este ato de uma simples cortesia ou de puro interesse ocasional”.

Outro fator histórico parece ter sido decisivo para as relações entre os dois países: a Guerra do Paraguai (1864-1870). No começo de 1865, o Brasil se encontrava em um momento difícil. A guerra exigiu grandes gastos e mudanças na política fiscal do Império. Houve aumento das tarifas alfandegárias, medida que poderia gerar descontentamento entre as potências com as quais o país negociava. Por isso, devia-se a todo custo evitar outros focos de instabilidade para as relações diplomáticas com os Estados Unidos, o que aconteceria no caso de uma aliança do Brasil com um império marcado pela influência francesa no continente. A imprensa americana reforçava a hostilidade ao Império mexicano: o general Ulysses S. Grant (1822-1885) declarou que só consideraria a guerra com o México terminada quando Maximiliano fosse expulso do país.

D. Pedro II nunca defendeu mudanças drásticas que pudessem ameaçar os interesses das potências que o apoiavam nem contrariar suas opiniões. O que Maximiliano oferecia em troca do apoio brasileiro? Na realidade, muito pouco. Apesar das demonstrações de carinho, o Império mexicano não tinha força econômica. Tratava-se de um regime recém-formado, que tentava se legitimar contra uma forte oposição liderada pelo carismático Benito Juárez.

O epílogo da aventura latino-americana de Maximiliano é tristemente conhecido. A dificuldade econômica, as intenções de Napoleão III de criar um feudo tributário do império francês, a rivalidade entre as potências européias e o apoio aos republicanos oferecido pelo presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, contribuíram para a queda do Segundo Império. Sem contar que a própria França, em 1867, decidiu retirar suas tropas e sua sustentação a Maximiliano. Preocupado e angustiado pela situação, o imperador quis abdicar. Carlota o convenceu a não fazê-lo e viajou para a Europa a fim de conseguir algum apoio, mas nem o papa quis recebê-la. Nervosa e alterada, a imperatriz foi perdendo progressivamente a razão, até morrer, completamente louca, em 1927, no castelo de Bouchot, na Bélgica, onde ficou confinada por sessenta anos.

O imperador e seus colaboradores acabaram presos pelas forças republicanas. Juarez não acolheu as pressões internacionais e os pedidos de clemência para Maximiliano, entre os quais uma carta do escritor Victor Hugo. O desventurado primo de D. Pedro II foi fuzilado em Queretaro no dia 19 de junho de 1867. A república triunfara, coroada com a frase do próprio Benito Juarez, o “Benemérito das Américas”: “Entre os indivíduos, como entre as nações, o respeito ao direito alheio é a paz”.

Javier Torres Medina é professor de História da Universidade Nacional Autônoma do México – Faculdade de Estudos Superiores Acatlán e autor de “El Imperio Mexicano y el Imperio Brasileño: una historia no compartida” na revista Locus. Revista de História (Universidade Federal Juiz de Fora, 2006).

Saiba Mais – Livros:

BETHELL, Leslie. História da América Latina. Vol. 3. São Paulo: Edusp, 2001.
Chávez Orozco, Luis. Maximiliano y la restitución de la esclavitud en México. 1865-1866. México: Secretaría de Relaciones Exteriores, 1961.
Del Paso, Fernando. Noticias del imperio. México: Editorial Diana, 2000.
Relaciones Diplomáticas entre México y el Brasil (1822-1867). México: Secretaría de Relaciones Exteriores, 1964, 2 tomos.

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