O Século XX
O século XX é republicano, revelando um grau de instabilidade política maior do que a do século XIX e, em fases críticas, um forte envolvimento dos militares na política. O primeiro governo do século, o do presidente Campos Sales (1898/1902), já se debatia com uma crise financeira – problema cíclico durante o resto do século. Adotou medidas rígidas para melhorar as finanças, o que facilitou a expansão econômica durante os governos posteriores. Além do passageiro boom da borracha no Amazonas, o início do século vai sobretudo assistir à ascensão de São Paulo e da economia cafeeira, o café vindo a tornar-se o principal produto de exportação, bem como à modernização da indústria açucareira, com o estabelecimento de usinas.
Como capital, o Rio de Janeiro continuava a ser o grande centro decisório, mas desde aquele primeiro governo do século e até a Revolução de 1930, praticava-se a chamada ”política dos governadores”, em cujo âmbito São Paulo passava a dividir com Minas Gerais um lugar privilegiado na política nacional.
Do ponto de vista social, como legado da escravidão, surgiu a pobreza em massa, à medida que o escravo se transformou em homem livre, mas abandonado a seu destino. Freqüentemente, ele não conseguia sequer ocupar o lugar do trabalhador das fábricas ou das grandes plantações, que, no Sudeste e Sul, será destinado à parcela dos imigrantes que começam a chegar em grande número na virada do século. De fato, abriu-se ainda mais o leque de influências étnicas, com a imigração de várias partes da Europa, muito especialmente de italianos, bem como do Oriente Médio e depois do Japão.
Quanto à política externa, o início do século correspondeu à consolidação das fronteiras, através de tratados negociados pelo barão do Rio Branco sobretudo com base no princípio do uti possidetis. Num dos casos, na questão de limites com a Bolívia, ocorrida no governo Rodrigues Alves (1902-1906), aconteceu a aquisição, mediante indenização acertada em tratado, de território (o Acre) ocupado por cidadãos brasileiros.
Neutro até 1917 em relação à guerra mundial, naquele ano o Brasil rompeu com o império alemão. Colaborou com os aliados, enviando oficiais do Exército para o combate na Europa e uma divisão naval, que ajudou no patrulhamento das águas africanas do Atlântico. Com o final da guerra, participou, em 1919, da Conferência de Paz de Versalhes, foi signatário do Tratado de Paz e um dos 32 membros fundadores da Liga das Nações, em cujo conselho executivo tomou assento.
O Brasil manterá, ao longo do século, um perfil elevado de envolvimento na construção da ordem internacional. Tendo enviado tropas para combater o nazifascismo na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, foi também membro fundador da Organização das Nações Unidas e participou da Conferência de Bretton Woods, da qual se originaram os organismos que dão a moldura da ordem econômica mundial ainda vigente.
A primeira fase do regime republicano, a chamada República Velha, já estava em crise profunda, quando se iniciou uma série de movimentos de contestação de jovens oficiais (o tenentismo), em 1922, no Rio de Janeiro e, em 1924, em São Paulo e depois no Rio Grande do Sul, onde o capitão Luís Carlos Prestes (futuro presidente do Partido Comunista Brasileiro) liderou uma coluna revolucionária, que percorreu vários recantos do País. Para fazer face a esses movimentos de contestação, o governo de Artur Bernardes (1922-1926) transcorreu sob a vigência do estado de sítio. As idéias revolucionárias também se exprimiram no campo cultural, com o modernismo, cujo marco foi a Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922, e que influenciou as mais importantes manifestações artístico-culturais brasileiras ao longo do século.
Para uns, uma Revolução Burguesa e, para outros, baseada nas aspirações da classe média, a Revolução de outubro de 1930, que trouxe ao poder o candidato oposicionista oficialmente derrotado por Júlio Prestes nas eleições a presidente, Getúlio Vargas – sendo esta a primeira vez que um candidato de oposição ascende à Presidência –, foi um movimento de cunho modernizador, que também inaugurou um ciclo autoritário e estatista na história brasileira.
A centralização administrativa, que envolvia a freqüente nomeação de interventores federais nos Estados e Municípios, pôs fim à “política dos governadores”, mas criou novas oligarquias. Esse centralismo e a relutância na constitucionalização do País serão a causa da derrotada Revolução Constitucionalista de São Paulo, em 1932. O regime não disfarça sua face claramente ditatorial a partir do Estado Novo, inaugurado em 1937, quando Vargas, alegando uma ameaça do integralismo (o fascismo à brasileira) e do comunismo às instituições, dá seu golpe de estado.
O modelo de desenvolvimento vai alimentar-se do processo de substituição de importações. A industrialização induzida pelo Estado teve como grande marco a instalação da Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda em 1941. Vargas, que havia inicialmente negociado com a Alemanha nazista a ajuda para a montagem de uma indústria siderúrgica, obteve, já em 1940, o compromisso norte-americano de colocar empréstimos de longo prazo do Export-Import Bank à disposição de projetos de desenvolvimento no Brasil, em troca da possibilidade de uso das bases brasileiras, o que finalmente será possível após a entrada do Brasil na guerra, em 1942. A Companhia Vale do Rio Doce, destinada à exploração do minério de ferro, também foi criada pelo Estado em 1942. Um debate de cores nacionalistas levará, além disso, à constituição da Petrobrás, em 1953, já no segundo governo de Getúlio Vargas (que dura de 1951 até seu suicídio em agosto de 1954).
O primeiro governo Vargas (1930-1945) também deixou traços fundamentais na ordem política e social. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) incorporou novos direitos trabalhistas, enquanto deixava os sindicatos atrelados à estrutura do Estado. Quanto aos partidos emanados do processo de democratização de 1946, foram, de um lado, criação do próprio Vargas, que reuniu seus aliados da oligarquia no Partido Social Democrático (PSD) e as correntes trabalhistas no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e, de outro, resultado de uma reação à ditatura de Vargas, como foi o caso da União Democrática Nacional, a UDN.
A Constituição de setembro de 1946 instaurou um regime liberal-democrático com alguns limites, já que os sindicatos continuaram atrelados à estrutura do Estado e não existia completa liberdade de organização partidária (o Partido Comunista tornou-se ilegal em 1947). O governo Kubitschek (1956-1961) foi politicamente o mais bem-sucedido do período de quase vinte anos em que vigorou esse regime, ao beneficiar-se de um amplo pacto em torno de uma política de desenvolvimento fundada no uso ótimo do modelo de substituição de importações. Foi a época da entrada de várias empresas multinacionais, marcando um novo patamar da industrialização brasileira, sobretudo com o estabelecimento da indústria automobilística. O governo Kubitschek tentou promover a aproximação econômica entre os países da América, através da Operação Pan-Americana, que visava buscar apoio norte-americano para o desenvolvimento da América Latina. Por fim, a um de seus principais projetos, a fundação da nova capital, Brasília, atribui-se o surto inflacionário herdado por seus sucessores.
Jânio Quadros foi o primeiro candidato de oposição a ser eleito presidente da República. Político independente, chegou ao poder sem o apoio dos grandes partidos e tentou governar sem o respaldo da maioria do Congresso. Sua renúncia, em agosto de 1961, menos de sete meses após a posse, foi seguida de um período de crise institucional e de alta inflação, associada a uma estagnação econômica cuja causa estrutural era o esgotamento do modelo de substituição de importações de bens de consumo. A oposição a seu sucessor, o trabalhista João Goulart, e a suas políticas reformistas, provocou a instauração do parlamentarismo entre setembro de 1961 e janeiro de 1963 e culminou com o golpe militar de 31 de março de 1964.
O novo regime dominou a política brasileira por cerca de 20 anos. Através de seu primeiro Ato Institucional, cassou mandatos, suspendeu direitos políticos e demitiu funcionários. Um segundo Ato Institucional, de outubro de 1965, dissolveu os partidos políticos e implantou um sistema bipartidário, com a situacionista Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o oposicionista Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Após o Ato Institucional 5 (AI-5) de dezembro de 1968, a violência do regime atingiu seu clímax, com a repressão à luta armada, que deixou um balanço de milhares de mortos e de centenas de desaparecidos.
O primeiro dos governos militares (general Castelo Branco) realizou uma política de saneamento econômico e criou o Banco Central do Brasil. Durante todo o regime militar, o estatismo econômico expandiu-se. No contexto de uma política de “integração nacional”, realizaram-se projetos de ocupação do espaço e de interligação rodoviária. O já alto protecionismo econômico reforçou-se em 1974, após a primeira crise do petróleo. O crescimento econômico, por sua vez, foi impulsionado, sobretudo na segunda metade da década de 1970, pela captação de recursos financeiros externos para megaprojetos, gerando o chamado “milagre econômico”. Esse modelo esgotou-se no início dos anos oitenta, com a crise da dívida externa e o agravamento dos indicadores econômicos e sociais.
Houve também um redirecionamento da política externa. Jânio Quadros havia procurado se dissociar do clima da guerra fria, realizando uma aproximação com a recém-comunista Cuba e outros países comunistas. Durante o governo Goulart, buscou-se praticar uma política externa independente. Os militares inicialmente engajaram o Brasil na guerra fria, com o realinhamento com os Estados Unidos, o rompimento de relações diplomáticas com Cuba e o envio de tropas para reprimir uma revolta de esquerda na República Dominicana, em 1965, em resposta à decisão da Organização dos Estados Americanos (OEA). Apesar disso, no plano econômico, mantiveram-se as boas relações com os países comunistas do Leste Europeu e, em meados da década de 1970, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o regime comunista de Angola recém-independente.
A partir de 1974, sob o governo do general Ernesto Geisel, iniciou-se o que os militares chamaram de “distensão política”, uma “abertura lenta, gradual e segura” do sistema político que, como resposta às pressões populares, estudantis e sindicais e muito especialmente à campanha pela “anistia ampla, geral e irrestrita” trouxe, em 1979, a anistia política e a reforma do sistema político-partidário. A Arena transformou-se no PDS (Partido Democrático Social). O MDB passou a chamar-se PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro). Formou-se, por iniciativa de Leonel Brizola, que chegava do exílio, o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Surgiu, em 1980, uma agremiação de esquerda, originada no movimento sindical e com envolvimento de um número expressivo de intelectuais: o Partido dos Trabalhadores (PT), liderado pelo sindicalista Luís Inácio (Lula) da Silva. Alguns setores do PDS mais receptivos às mudanças constituíram, em 1984, o Partido da Frente Liberal (PFL) e, basicamente como dissidência do PMDB, foi criado em 1988 o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Juntamente com siglas menores, chegou a quase vinte o número de partidos políticos.
Fazendo eco à extraordinária campanha popular, de 1984, pelas eleições Diretas Já para presidente, uma “aliança democrática” entre o PMDB e o PFL conseguiu eleger, através do Colégio Eleitoral (basicamente o Congresso Nacional) em janeiro de 1985, um presidente civil, o ex-Governador de Minas Gerais e senador Tancredo Neves. Este faleceu antes de tomar posse, deixando o cargo para seu vice, o senador José Sarney.
Durante o governo Sarney, foi convocada a Assembléia Nacional Constituinte, que propiciou um debate político sem precedentes na história brasileira, por sua amplitude. A Constituição de 1988 instaurou a ordem politicamente mais livre que o Brasil já conheceu, com claros avanços no campo das garantias e direitos individuais e das minorias, assegurando, ademais, de uma forma inexistente sequer no regime liberal-democrático de 1946, plena e irrestrita liberdade de associação política, inclusive nas esferas sindical e partidária. Descentralizou relativamente o Poder, com o fortalecimento do papel do Congresso Nacional e dos governos estaduais, que passaram a deter maiores parcelas das receitas tributárias, sem o correspondente aumento de atribuições, o que agravou a situação fiscal. Na ordem econômica e social, invadiu terreno que mais apropriadamente caberia à legislação ordinária.
No seu âmbito e sem ruptura institucional, foi possível, em setembro de 1992, por alegações de corrupção e após o espontâneo movimento popular sobretudo dos jovens “caras-pintadas”, que o Senado Federal, autorizado pela Câmara dos Deputados, julgasse e destituísse Fernando Collor de Melo, o primeiro presidente da República eleito por voto popular em quase trinta anos.
Uma novidade, no plano econômico externo, no início da década de 1990, foi o processo de integração econômica regional através do Mercosul, com a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, que, entre outros méritos, serve de base estratégica para a inserção das economias da região na globalização de mercados que caracteriza o fim do século.
Em fevereiro de 1986, o governo Sarney, tentou pôr em execução um plano econômico heterodoxo para controlar a alta inflação, o chamado Plano Cruzado. Seu fracasso contribuiu para a moratória e criou a necessidade de renegociação, em mais de uma etapa, da dívida externa, processo que somente se encerrou em abril de 1993. Seguiram-se, ainda, durante o governo Sarney e no governo Collor, quatro outros planos, todos malogrados por falta de equilíbrio fiscal, problema até hoje ainda não plenamente resolvido.
Após ter deslanchado o processo do Plano Real como ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, que sucedeu o de Fernando Collor, o sociólogo e senador Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente da República em outubro de 1994. Lançou uma agenda de reformas, principalmente voltadas para a consolidação da estabilidade econômica e para a abertura da economia. Com a reforma constitucional que permitiu sua reeleição, Fernando Henrique Cardoso é o primeiro presidente reeleito da história do Brasil, tendo iniciado seu segundo mandato em 1999.
Já no final da década de 1980, havia consciência de que o País pagava um preço elevado pela ineficiência econômica provocada pelo modelo protecionista de substituição de importações. Iniciou-se, então, o processo de abertura da economia, pela redução ou eliminação das barreiras comerciais, e de reversão do modelo estatista varguista, através do programa de privatizações. Com altos e baixos, as novas políticas tiveram continuidade, desde o governo Fernando Collor, passando pelo de Itamar Franco, até o de Fernando Henrique Cardoso, quando foram intensificadas.
Embora num ritmo mais lento do que desejava, seu governo empreendeu parte das planejadas reformas constitucionais, que facilitaram as privatizações, deram igualdade de tratamento aos investidores nacionais e estrangeiros, acabaram com a estabilidade do funcionalismo público e reduziram as despesas com a Previdência Social, cujo déficit é considerado crescentemente insustentável. Seu maior desafio é conciliar a disciplina fiscal e os cortes de despesa essenciais à estabilização econômica, com a necessidade de melhorar o perfil social do País, especialmente nas áreas de educação e saúde, e implementar políticas de desenvolvimento fundamentais para a expansão do emprego.
No plano político, a aliança entre o PSDB (o partido a que pertence o presidente), o PFL e segmentos do PMDB, além de partidos menores, deu ao governo ampla maioria no Congresso. Entretanto, a ausência de uma estrutura partidária sólida – problema persistente ao longo de toda a experiência republicana –, especialmente a frouxa disciplina partidária e a própria fragmentação política, inerentes a um sistema em que geralmente não se vota em função do partido nem do programa, têm exigido um trabalho constante de negociação entre o Executivo e o Legislativo em torno das reformas.
O Brasil encaminha-se para o século XXI como um país em que as mulheres passaram a ter um papel crescente na política e no exercício profissional em geral; em que há uma consciência maior para os problemas das minorias e uma participação crescente de organizações não-governamentais e de movimentos sociais nos debates nacionais. Como um País com instituições democráticas testadas por abalos políticos (destituição de um presidente) e econômicos (crise financeira de 1998/99) e que podem ser aprimoradas através das já propaladas reformas do sistema eleitoral e do Poder Judiciário. Além disso, apesar dos esforços sem precedentes no âmbito da reforma agrária, eles ficam aquém das expectativas de uma parcela da população cada vez mais consciente de sua carência e cada vez mais organizada, sobretudo através do Movimento dos Sem-Terra.
Por fim, o Brasil tem aumentado sua projeção externa. Tem participado de operações de paz, desempenhado um papel pacificador na política regional, sido crescentemente ouvido em foros políticos e econômicos internacionais. É um país com um parque industrial moderno e complexo, em que tem sido rápida a assimilação das novas tecnologias e que responde por mais de 70% das exportações. É uma das dez maiores economias do mundo, que, apesar de melhoras marginais na década de 1990, apresenta enorme disparidade de renda e índices sociais alarmantes.