Possíveis Dificuldades que Acompanharam a Viagem de Vasco da Gama à Índia

Possíveis Dificuldades que Acompanharam a Viagem de Vasco da Gama à Índia
Valdir Innocentini , Ingrid Neves Brandão, Fernando Oliveira Arantes e Simone C. S. Cunha Prado
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE
Resumo
A descoberta do caminho das Índias pelos navegantes portugueses no século XV foi o resultado de várias
expedições mal sucedidas no Oceano Atlântico. A Volta ao Largo, manobra em que a frota guinava para sudoeste após
as ilhas de Cabo Verde, lançava os navios ao desconhecido, a um mar com calmarias e tempestades acompanhadas de
ventos e agitação marítima intensa. Embora a viagem pela Volta ao Largo fosse mais longa, era mais rápida pois as
velas inflavam com os ventos do setor oeste do anticiclone subtropical que os empurravam ao extremo sul do
continente Africano. Neste trabalho, as reanálises de vento de superfície do NCEP são utilizadas para substanciar e
ilustrar as dificuldades possivelmente encontradas por Vasco da Gama, conforme relatadas em seu diário de bordo. A
maior barreira para as expedições era o Cabo da Boa Esperança, onde ciclones extratropicais geram regiões extensas
com ventos e ondas dirigidos para a costa. Um caso recente com ondas de 3 – 5 metros geradas por um ciclone no
Atlântico Sul que se deslocou para o Cabo da Boa Esperança é apresentado.
1. Introdução
A importância de Vasco da Gama no desenvolvimento e uso de técnicas de navegação na conquista dos
oceanos Atlântico e Índico durante a viagem à Índia iniciada em 1497, é naturalmente diminuída face aos
descobrimentos e viagens ao extremo oriente da Ásia que marcaram o final do século XV e século XVI; em particular,
os descobrimentos de Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral. Entretanto a extrema bravura e determinação de
Vasco da Gama em vencer o Mar Tenebroso, o Cabo das Tormentas (como eram conhecidos o Oceano Atlântico e o
Cabo da Boa Esperança, respectivamente) e as monções no Índico possibilitaram as conquistas e descobrimentos que
engrandeceram Portugal no século XVI.
Os Lusíadas de Camões, clássico da literatura portuguesa escrito quase um século depois, enaltecem a glória
da viagem, marcada por tempestades e ventos adversos em vários trechos do percurso. Os relatos de Vasco da Gama na
volta da viagem dariam a D. Manuel, rei de Portugal, coragem suficiente para enviar, apenas oito meses após seu
regresso, uma poderosa esquadra composta por 13 navios, sendo 10 naus e 3 caravelas, com cerca de 1900 homens,
mais de 3% da população de Lisboa (estimada em 60.000 habitantes).
A rota traçada por Vasco da Gama utilizou a Volta ao Largo, pela primeira vez na história de navegação a vela
no Atlântico Sul. Nesta manobra os navios, após passarem pelas ilhas do Cabo Verde, rumam para sudoeste,
aproveitando-se da corrente do Brasil e dos ventos do flanco esquerdo do anticiciclone subtropical do Atlântico,
evitando numerosas dificuldades que encontrariam no percurso ao largo da costa Africana.
Neste artigo serão relatadas as dificuldades impostas pelas correntes e ventos inerentes às condições
meteorológicas encontradas por Vasco da Gama na descoberta do caminho à Índia. Uma tempestade comum no Cabo
das Tormentas, que acometeu o navegante na ida e na volta às Índias, será ilustrada através de um caso recente. A
violência dos ventos e a agitação marítima típicas em várias regiões ao longo do trajeto serão apresentadas neste
trabalho, de forma a enaltecer as conquistas do navegante e de seus capitães. Os fatos relacionados com as condições
meteorológicas que acompanharam a viagem foram selecionados de Bouchon (1998) e Bueno (1998).
2. A Viagem de Vasco da Gama
Nesta seção estão relatadas as dificuldades das primeiras expedições ao longo do continente africano e as
condições meteorológicas e oceanográficas adversas que marcaram a viagem de Vasco da Gama conforme relatado em
seu diário de bordo.
2.1 Contornando o Continente Africano
O Infante D. Henrique foi nomeado em 1419 pelo seu pai, Dom João, governador da região conhecida como
Algarve. Tinha grande curiosidade por saber o que existia além das ilhas Canárias, pois os relatos eram repletos de
lendas e mistérios. Com este objetivo atraiu sábios, a maioria perseguidos e rejeitados em outras regiões por suas idéias
revolucionárias, fundando a Escola de Sagres. Um cartógrafo trouxe um mapa, onde havia referência a um rio, logo
abaixo das ilhas Canárias, como rio do Ouro. Conquistar esta região tornou-se para ele uma obsessão.
Assim, várias expedições foram organizadas, entre 1422 e 1460, todas ao longo da costa Africana, sem que as
embarcações perdessem o continente de vista. O primeiro obstáculo aos navegadores era o cabo de Não. Acredita-se
que este cabo tratava-se do Cabo Juby ou do Cabo Drâa. As localidades citadas no texto estão assinaladas na Figura 1.
Figura 1: Trajeto seguido por Vasco da Gama.
Mas a maior dificuldade era o Cabo Bojador. Depois desta região os ventos sempre sopravam de nordeste,
fazendo o retorno impossível. Um período de 12 anos de 1424 a 1433 e a organização de 15 expedições foram
necessárias antes que pudesse ser vencido. A profundidade do mar constituía o maior obstáculo à navegação, pois era
de apenas 2 m por mais de 5 km da costa Africana, e recheada por recifes pontiagudos. Além disso, era constantemente
cercada por tempestades de areia trazidas do Saara. Naufrágios eram comuns, e acredita-se que o lema “navegar é
preciso, viver não é preciso” foi criado neste período.
Em maio de 1434, Gil Eanes decidiu rumar para oeste nas proximidades do cabo, demostrando grande audácia
em enfrentar o desconhecido. Navegou para sul, e então voltou para leste encontrando novamente o continente
Africano, deixando o cabo ao norte. O cabo Bojador estava vencido.
Em paralelo às bravuras, avanços tecnológicos importantes aconteciam. Sábios da Escola de Sagres
idealizaram as velas latinas. Eram panos triangulares, capazes de impulsionar os navios em direção perpendicular ao
vento. Entre os velejadores, bolinar significa navegar utilizando as velas latinas. Desta forma os navegantes poderiam
vencer os alísios de nordeste que sopram após o Cabo Bojador, impedindo o retorno a Portugal. Além deste brilhante
aperfeiçoamento às Caravelas, astrônomos e matemáticos da Escola de Sagres desenvolveram tabelas com declinação
dos astros e instrumentos de navegação, tais como o astrolábio, a agulha de marear, a balestilha e o noturlábio. Todo
esse desenvolvimento ocorreu devido à necessidade de novas técnicas, pois as conhecidas foram desenvolvidas para
navegar no Mediterrâneo e eram inadequadas para o Atlântico.
A próxima grande dificuldade imposta aos navegantes portugueses era o cabo no extremo sul da África austral.
O desejo de contornar a África e chegar à Índia foi reacendido em Portugal por volta de 1480. Os obstáculos eram a
Corrente de Benguela, de sudeste para noroeste ao largo da costa Africana conforme Figura 2, e os ventos de sudeste,
imposto pelo anticiciclone subtropical no Atlântico Sul. Além disso, haviam os ciclones extratropicais que se
intensificam sobre o Atlântico. Vindos de oeste chegam ao sul da África.
Figura 2: Corrente oceânicas para a) dez /jan /fev e b) jun/ jul/ ago: 1 – Corrente Sul Equatorial; 2- Corrente do
Brasil; 3 – Corrente das Canárias; 4- Corrente da Guiné; 5 – Corrente de Benguela; 6 – Corrente das Agulhas; 7 –
Corrente da Somália; 8 – Corrente Sul Equatorial; 9 – Contra Corrente Equatorial; 10 – Corrente das Monções.
Adaptado de Neumann e Pierson (1966).
Em 1487, com o objetivo de chegar à Índia, Bartolomeu Dias partiu de Lisboa com 2 caravelas e uma nau.
Uma terrível tempestade o alcançou na costa da Namíbia. Mais tarde esta região recebeu o nome de costa do Esqueleto
devido aos inúmeros naufrágios que ocorriam nas proximidades. A tempestade os empurrou para longe da costa por
duas semanas. Dias navegou para leste, e não encontrou nada. Navegou para norte, e chegou ao continente Africano.
Como a costa continuava em direção norte, concluiu que havia dobrado o cabo, que chamou de Cabo das Tormentas.
Retornou a Portugal sem ter chegado à Índia, 16 meses após a partida. Ao relatar os fatos a D. João II, este foi tomado
por um otimismo muito grande em atingir a Índia, e renomeou o Cabo das Tormentas como Cabo da Boa Esperança.
2.2 A Volta ao Largo
O crescimento do expansionismo ultramarino português está intimamente ligado aos avanços técnicos de suas
embarcações, cuja evolução acompanhava a ambição de chegar mais longe. Assim, a dimensão dos navios e da
tripulação ia se definindo e adequando às necessidades e dificuldades encontradas em cada excursão.
Em 1496, D. Manuel iniciou a construção de duas naus nos estaleiros de Lisboa, supervisionada pelo
experiente Bartolomeu Dias, com cerca de 20 metros e 100 toneladas. Eram a São Gabriel e a São Rafael, que seriam
comandadas por Vasco da Gama e seu irmão Paulo, respectivamente, em uma ambiciosa viagem à Índia. Uma terceira
nau, a Bérrio que seria comandada por Nicolau Coelho, e uma caravela ainda se juntariam à frota. Um barco foi
adquirido pelo rei para acompanhar a expedição com equipamentos e víveres para 3 anos. No dia 8 de julho de 1497 as
cinco embarcações deixam o Tejo.
Vasco da Gama seria o capitão-mor de uma tripulação de 170 homens, auxiliados pelos experientes navegantes
Bartolomeu Dias e Nicolau Coelho. Os três eram os principais navegantes portugueses da época. Bartolomeu Dias iria
naufragar no Cabo das Tormentas em maio de 1500 a caminho da Índia na expedição de Cabral. Nicolau Coelho
naufragaria em 1504 quando regressava da Índia.
O que se sabia das variações sazonais das condições meteorológicas na época, era que o Cabo da Boa
Esperança deveria ser dobrado após outubro para evitar encontros com icebergs. Este conhecimento parece ter feito D.
Manuel decidir pela partida em julho, assim chegariam à ponta Africana após outubro.
No início da viagem, a frota navegava com vento norte favorecida pela corrente das Canárias até
aproximadamente 20º N. A instrução era para se encontrarem nas ilhas de Cabo Verde. Um nevoeiro noturno fez com
que as naves se dispersassem, e o reencontro em Cabo Verde foi dificultado por um mar calmo e sem ventos, fazendo
com que a nau São Rafael não conseguisse chegar facilmente às ilhas. O reencontro ocorreu somente em 26 de julho.
Cabral enfrentou dificuldades semelhantes quase 3 anos depois. Uma nau de sua frota desapareceu nesta região
devido ao nevoeiro e às nuvens de poeira saarina.
Em 3 de agosto velejam ao longo da Costa da Malagueta até encontrarem os ventos de sudeste. Então
Bartolomeu Dias se separa da frota, continuando ao longo da costa Africana para cumprir uma missão em Guiné. As
outras 4 embarcações iniciam a Volta ao Largo, guinando para sudoeste. Inicia-se uma manobra de importância
histórica, que colocaria Portugal na rota da Índia e do Brasil. O diário de bordo de Vasco da Gama, escrito por um
anônimo, é interrompido em 22 de agosto, sendo retomado apenas em 27 de outubro, quando a frota estava muito
próximo ao Cabo da Boa Esperança. Apenas os capitães sabiam que estavam realizando a Volta ao Largo. A
marinhagem não sabia, e o segredo foi tão bem guardado, que durante vários anos pensava-se que Vasco da Gama teria
chegado à Índia seguindo a costa Africana.
Embora Vasco da Gama tenha sido o primeiro a realizar a Volta ao Largo, e sem a companhia de Bartolomeu
Dias, existe alguma controvérsia quanto a qual deles teria descoberto essa manobra.
Durante a fase Volta ao Largo, a primeira dificuldade que a frota deve ter encontrado foi a região das calmarias
(doldrums), onde os navios ficavam quase estáticos, ou no máximo a uma velocidade de cerca de 1 nó (1.8 km/h),
enquanto que o normal era de 4 a 6 nós. A região é caracterizada pela confluência dos alísios, e após ser ultrapassada,
voltam os alísios, soprando agora de sudeste. Os navegantes rumando para sudoeste, seguindo instruções de Vasco da
Gama, tiveram que cruzar a corrente Sul Equatorial, até encontrarem a corrente do Brasil, onde alcançariam a
velocidade de 5 nós para sul. Apesar do percurso ter se tornado maior, o tempo de viagem seria menor, pois no Golfo
da Guiné, não era raro os navios ficarem retidos até 40 dias. Ainda teriam a corrente de Benguela ao longo da costa
Africana opondo-se a esta rota.
2.3 O Cabo das Tormentas
Após seguirem pela corrente do Brasil, a frota encontraria os ventos de oeste que os levaria diretamente à
África. Próximo ao Cabo das Tormentas, deparou-se com marulhos que a cada dia se tornavam maiores, segundo o
diário de bordo. Os marinheiros incessantemente bombeavam a água lançada nos navios pelas ondas. Quando o mar
dava alguma trégua, eram rezadas missas, mas sem a consagração, a fim de não profanar o vinho derramado do cálice
sagrado. O diário de bordo diz que em meio a chuvas, ventos, ondas e nevoeiro, as quatro embarcações conseguiam
navegar próximas, demonstrando a extrema habilidade dos capitães.
Em 4 de novembro as embarcações se reuniram e festejaram o final da Volta ao Largo. Em 22 de novembro
celebravam a vitória sobre o cabo em meio a ventos fortes e um mar encapelado, sem que nenhuma das embarcações
de Vasco da Gama houvesse naufragado. A mesma sorte não teria Cabral, que teria 4 embarcações naufragadas nesta
região.
Durante dezembro de 1497 enfrentaram ventos adversos, correntes e tempestades, entre a ponta da África e a
costa de Natal. Quando os ventos cessavam, a calmaria não lhes dava condições de progredir para norte. A esquadra
desconhecia que durante dezembro havia uma forte corrente no canal de Moçambique dificultando o progresso para
norte.
A esquadra permaneceu na foz do rio Zambeze, em Moçambique, durante semanas, seguindo instruções de
informantes locais sobre o regime de ventos das monções. Apenas em 24 de fevereiro a frota partiu em direção norte.
Em 29 de março ainda estava em Mombaça e os ventos empurravam as naus para trás.
Em 24 de abril, finalmente as embarcações rumam em direção norte, com as velas enfunadas pela monção. Em
18 de maio avistam o Monte Eli, no continente da Índia.
2.4 O Retorno
A frota levantou âncora em 29 de agosto de 1498. A maior dificuldade relatada no diário de bordo trata da
alternância entre calmarias e tempestades. O desconhecimento do regime de ventos das monções os fizeram
prisioneiros do Índico durante 3 meses. O vento insistia em soprar ao contrário ou cessar totalmente, e todas as técnica
de navegação se mostravam ineficientes. Apenas em 2 de janeiro de 1499 avistaram a costa Africana.
Dobraram o Cabo da Boa Esperança em 20 de março e quase toda a armada naufragou ao largo da África
austral, mas foram salvas pela corrente de Benguela, que em 1 mês os levou até a costa do Rio Grande.
Chegaram em Portugal em julho de 1499, com apenas 2 naus, a Bérrio e a São Gabriel, e menos de 40 homens.
As outras 2 naus foram abandonadas e incendiadas durante o percurso por insuficiência de tripulação.
3. Correntes Oceânicas
As correntes oceânicas, assim como os ventos na atmosfera, redistribuem a energia do globo tornando o clima
menos hostil em certas regiões. As correntes superficiais respondem ao vento e ambos determinam as condições de
locomoção dos velejadores. Embora a importância das correntes no transporte das embarcações seja menor pois sua
velocidade é da ordem de 0,10 a 0,20 m/s enquanto a dos ventos é 50 a 100 vezes maior, suas características estão
muitas vezes relacionadas com os ventos que inflam as velas das embarcações.
As maiores correntes são de larga escala e formam circulações anticiclônicas nos oceanos, uma em cada
hemisfério. Na Figura 2 estão representadas as correntes para os oceanos Atlântico e Índico. Dirigem-se para o equador
no setor leste dos oceanos, para os pólos no setor oeste, e para oeste ao longo do equador. Como exemplo, são as
correntes equatoriais, ao longo do equador, com propagação para oeste, e as correntes ao largo dos litorais dos
continentes. No Atlântico Norte são as correntes das Canárias e do Golfo. No Atlântico Sul, a Corrente do Brasil e a
Corrente de Benguela. No Índico, ao largo do litoral oeste Africano, a corrente das Agulhas propagando-se em direção
ao pólo. Estas correntes estão em concordância com a circulação que acompanham os anticiclones subtropicais na
atmosfera sobre os oceanos.
Ao cenário destas correntes, agregam-se correntes com forte influência sazonal: as contra correntes equatoriais,
mais intensas no verão, e as correntes de origem monçônica no oceano Índico, conforme ilustrado na Figura 2b.
Os portugueses tinham conhecimento do regime de ventos e correntes do Atlântico através de várias
expedições organizadas durante o século XV. O Índico já era navegado por mais de mil anos por outros povos que
praticavam ali intensa atividade comercial (Tibbits 1971), e tinham total conhecimento do regime das monções. Os
portugueses para chegarem às Índias utilizaram o conhecimento de vários navegantes árabes que encontravam ou
capturavam ao longo da costa oeste da África.
Conforme Figura 2, tão logo a frota de Vasco da Gama deixou o Rio Tejo, encontrou a corrente das Canárias
dirigida para sul-sudoeste que os levaria até as proximidades das ilhas de Cabo Verde. No verão do Hemisfério Norte,
ao sul de Cabo Verde, ela é interrompida pela contra corrente Equatorial do Atlântico, dirigida para leste. No inverno
ela avança em direção sul para uma área mais extensa, e a contra corrente se torna mais fraca.
A partir de Cabo Verde, os navios que contornavam a África encontravam a corrente da Guiné que os levaria
até o Golfo da Guiné, nas proximidades do Equador.
A Volta ao Largo, a partir de Cabo Verde, encontraria correntes opostas durante o verão, quando a contra
corrente Equatorial está mais intensa. Entretanto, Vasco da Gama cruzou essa região em agosto. No inverno ou verão
esta rota cruza a corrente Sul Equatorial, depois se beneficia da corrente do Brasil, até aproximadamente 30º S, onde
não existe a presença marcante de nenhuma intensa corrente. A corrente circumpolar Antártica se encontra próximo a
40º S e provavelmente não foi atingida por esta expedição, pois os navegantes portugueses sabiam determinar a latitude
de uma localidade no Hemisfério Sul com precisão.
Para a rota contornando o continente Africano, a partir do Golfo da Guiné existe a corrente de Benguela, cujo
movimento se opunha a quem rumasse para sul. Esta corrente se origina próximo à costa da Namíbia, e é mais intensa
no verão austral.
Para Vasco da Gama, e outras esquadras que fariam a Volta ao Largo, o encontro com o continente Africano
seria próximo ao Cabo da Boa Esperança. Contornando a África em direção às Índias a partir deste ponto até o Canal
de Moçambique encontrariam a corrente das Agulhas, também em sentido oposto à navegação para a Índia.
Ao norte de Moçambique a Corrente da Somália tem as características impostas pelo regime das monções:
dirige-se para norte durante o verão do Hemisfério Norte, e para sul durante o inverno. Esta corrente, em combinação
com as outras que ocorrem no Índico, forma circulações de inverno e verão bastante contrastantes. Os ventos das
monções, que sopram de sudoeste a partir de abril, empurravam as naus portuguesas para Malabar (costa oeste da
Índia) até outubro. A partir deste mês, as correntes se invertem, e em dezembro propagam-se de nordeste com a
máxima intensidade. Vasco da Gama iniciou sua viagem em direção norte depois de dobrar o cabo da Boa Esperança
exatamente em dezembro, quando a corrente das agulhas atinge máxima intensidade. Consequentemente, gastou 5
meses para atingir a Índia, e não se poderia esperar melhores resultados.
4. A Circulação em Baixos Níveis
O regime de ventos no Atlântico é caracterizado por duas circulações anticiclônicas de grande escala, uma em
cada hemisfério, confluindo para o Equador. São acompanhadas por extensas regiões de alta pressão ou anticiclones. O
papel dos anticiclones nas monções é discutido em Rodwell e Hoskins (2000). A estas circulações se sobrepõe eventos
meteorológicos de caráter migratório com alta variabilidade temporal e espacial. Na rota seguida pelos portugueses
destacam-se os ciclones tropicais no Atlântico Norte e os ciclones extratropicais no Atlântico Sul.
Durante o período de agosto a outubro, perturbações ondulatórias nos ventos, que avançando do norte da
África para oeste, às vezes evoluem para ciclones tropicais. Geralmente os ciclones adquirem caráter intenso longe da
costa africana e portanto não devem ter causado problemas aos portugueses.
Em latitudes maiores que 40º (N e S), ciclones e anticiclones propagam-se para leste, originando frentes frias
direcionadas para os trópicos e ciclones com menores dimensões. Normalmente os ciclones no Atlântico Sul são
acompanhados por tempestades e ventos de superfície intensos, capazes de gerar pistas com ventos superiores a 12 m/s
e ondas gigantescas. Estes eventos castigavam as embarcações próximo ao extremo sul do continente africano, e eram
os maiores responsáveis pelos naufrágios.
Figura 3: Vento médio 10 m acima da superfície para a) dez/jan/fev e b) jun/jul/ago de 1993 a 1997.
A Figura 3 apresenta a velocidade do vento de superfície (10 m acima da superfície) média de dezembro,
janeiro e fevereiro, e junho, julho e agosto de 1993 a 1997 (doravante designados por DJF e JJA, respectivamente). A
figura mostra uma região com ventos abaixo de 4 m/s estendendo-se da África em direção a América do Sul, em ambos
períodos analisados. Entretanto durante DJF a região estende-se mais ao sul. Também, durante o período DJF, os
ventos ao longo da latitude 10º N são mais intensos, e provavelmente as maiores dificuldades impostas aos navegantes
nas expedições pela costa africana até o Cabo Bojador tenham ocorrido neste período. A dificuldade em navegar ao
largo da costa africana é evidente nesta figura. A predominância de ventos de sul ou sudeste acompanha a corrente de
Benguela. No setor oeste do Atlântico a corrente do Brasil e o vento empurravam os portugueses para a África.
Figura 4: Ventos de superfície máximos durante o ano de 1999 nos quadriláteros indicados na Figura 5 ao longo
das rotas de Vasco da Gama.
Figura 5: Quadriláteros definidos ao longo da Rota 1 e Rota 2, utilizados na Figura 4.
A Figura 4 mostra a velocidade máxima ao longo das trajetórias contornando a costa africana (rota 1) e
seguindo a Volta ao Largo (rota 2) para cada mês de 1997. Em latitudes maiores, nota-se que o módulo da velocidade
máxima apresenta valores superiores, mas a direção varia consideravelmente de mês para mês. Os valores menores
para a rota 1 ocorrem ao longo da África durante todo ano, principalmente nos quadriláteros 13, 14, 15 e 16. Os
maiores valores são encontrados próximo ao Cabo da Boa Esperança, nunca abaixo de 14,5 m/s, o que mostra que
durante todo ano nenhum mês esteve livre de ventos intensos capazes de gerar ondas de grande porte. Estes ventos são
provenientes de ciclones migratórios, e a variabilidade na direção da velocidade máxima mostra que os ventos intensos
podem estar no flanco esquerdo ( u0), superior (v0) do ciclone. Os maiores valores
ocorrem no período JJA. A seguir será apresentado um caso de ciclone na ponta da África.
5. Caso Típico no Cabo da Boa Esperança
A Figura 6 (e) mostra um ciclone com centro ao sul da África e outro de menor dimensão a oeste do
continente. O evento refere-se a 11-14 de junho de 1999, e os campos representados foram obtidos da reanálise de
vento e ondas do NOAA/NCEP. Nas próximas 24 horas, conforme Figura 6 (f), o ciclone menor se intensifica e a
velocidade do vento à superfície atinge 20 m/s. O ciclone maior gera uma região muito vasta com velocidade acima de
12 m/s, com alguns núcleos acima de 16 m/s, nos dias 12 e 13, conforme Figuras 6 (g) e (h). A partir do quarto dia os
ciclones enfraquecem substancialmente.
A agitação marítima é apresentada na Figura 6 (a)-(d). Nos 4 dias ondas de 3 metros propagam-se de sudoeste,
e envolvem toda ponta africana. O ciclone menor desenvolve ondas acima de 5 metros em alguns trechos, e uma
extensa região com ondas acima de 3 metros.
Figura 6: Ondas (figuras à esquerda – m) e ventos (figuras à direita – m/s) para Cabo da Boa Esperança,
obtidos através da reanálise do NCEP para 11, 12, 13 e 14/06/99 – 00Z.
A dimensão da área com ondas acima de 3 metros gerada por estes 2 ciclones deixaria os navegantes em
situação de alerta, tanto pela rota 1 como pela rota 2. Mesmo tendo enfrentado terríveis tempestades nesta região na ida
e na volta, Vasco da Gama não sofreu nenhum naufrágio. Capitães competentes e experientes, entre os quais
Bartolomeu Dias, foram vencidos mais tarde por estas tempestades.
6. Conclusão
A descoberta da Volta ao Largo no final do Século XV utilizada pela primeira vez por Vasco da Gama,
colocou Portugal na liderança do expansionismo ultramarino nos séculos seguintes. Esta manobra evitava as calmarias
próximas ao Golfo da Guiné e os ventos e correntes do flanco direito do anticiclone subtropical opondo-se à navegação
em direção sul. Na Volta ao Largo, os ventos de sudoeste o levaria próximo à costa do Brasil. O flanco inferior do
anticiclone subtropical do Atlântico Sul os empurraria diretamente para a África.
Entretanto, nesta nova rota os ciclones de oeste são muito freqüentes em mar aberto, o que tornava as viagens
extremamente perigosas, com grandes riscos de naufrágios. Embora estes ciclones sejam mais freqüentes e intensos
nos meses de junho a agosto, ocorrem em todas estações do ano.
A expedição de Vasco da Gama foi surpreendida no Cabo da Boa Esperança em novembro de 1497 por uma
grande tempestade na viagem de ida às Índias e, segundo o diário de bordo, quase toda expedição naufragou na volta
em março de 1499 nesta região, provavelmente devido a intensos ciclones migratórios de oeste.
Agradecimentos
Esta pesquisa foi realizada graças ao apoio concedido pela FAPESP, auxílios 95/4573-5, 99/10012-7, e
99/10013-7, e pelo CNPq, auxílios 30.382/86.0.
Referências
Bouchon, G., 1998: Vasco da Gama – Biografia. Editora Record, 333 pp.
Bueno, E., 1998: A Viagem do Descobrimento: a Verdadeira História da Expedição de Cabral. Objetiva, 130 pp.
Neumann, G. e W. J. Pierson Jr., 1966: Principles of Physical Oceanography. Prentice – Hall, 545 pp.
Rodwell, M. J. e B. J. Hoskins, 2000: Subtropical Anticyclones and Summer Monsoons. Submetido ao Journal of
Climate,.
Tibbitts, G. R., 1971: Arab Navigation in the Indian Ocean Before the Coming of the Portuguese. Royal Asiatic
Society of Great Britain and Ireland.

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10 comentários em “Possíveis Dificuldades que Acompanharam a Viagem de Vasco da Gama à Índia”

  1. parabéns muito bom
    e para os preguiçosos um recado:
    só aprende quem procura saber!!!!
    estudem quem sabe vcs aprendem alguma coisa em vez de ficar falando de algo que eu tenho certeza que nem leram 😉

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