REBELIÕES NO PERÍODO REGENCIAL

Rebeliões no Período Regencial

Cabanagem (1833-1836)

Antecedentes. Desde o período colonial o Pará era dominado por um poderoso grupo de comerciantes portugueses, aliado aos altos funcionários civis e militares. Contra esse núcleo que resistiu como pôde á independência do Brasil, foi desencadeado nessa ocasião um movimento com ampla participação das cama das populares. A derreta desse núcleo só aconteceu depois do envio de tropas pelo Rio de Janeiro, sob comando do mercenário inglês Grenfell. Por esse motivo, no Para, a independência foi retardada por quase um ano (agosto de 1823) em relação á sua proclamação oficial (setembro de 1822).

Na luta contra os portugueses destacou-se o cônego Batista de Campos, que obteve grande prestígio entre a massa miserável que habitava as choupanas á beira dos rios: os cabanos.

Contudo, a independência pouco significou para as camadas populares que lutaram por ela. Os seus lideres, como Batista Campos e Malcher, foram marginalizados do governo provisório. Sentindo-se traído, o povo se revoltou, exigindo a participação de seus lideres. A resposta do poder central não tardou: uma violenta repressão foi desencadeada sob a chefia do mesmo Grenfell, que segundo o historiador Nelson Werneck Sodré “prendeu Batista Campos, fuzilou muitos nativos e meteu trezentos prisioneiros no brigue Palhaço, no porão, escotilhas fechadas, atirando cal sobre eles. Dois dias depois, aberto o porão, foram retirados os cadáveres dos bravos paraenses, sacrificados por um mercenária em sua luta pela liberdade e pela independência”.

Novas Agitações – O ciclo das agitações populares reapareceu com a abdicação. As autoridades provinciais nomeadas pela regência foram contestadas. A falta de firmeza da regência piorou as coisas, estabelecendo um clima de grande instabilidade.

Destacou-se nas agitações, novamente, Batista Campas, que em 1832 conseguiu sublevar a comarca do Rio Negro (Amazonas) e impor a sua política ao presidente da província, Macha do de Oliveira.

Procurando pôr fim às agitações, no início de 1833, a regência enviou um nova governo para a província, que, no entanto, nem sequer chegou a tomar posse.

No mesmo ano, em dezembro, enfim chega ram as novas autoridades nomeadas pela regência: Bernardo Lobo de Sousa, como presidente, e o tenente-coronel José Joaquim da Silva Santiago, como comandante das Armas.

O novo presidente da província iniciou, imediatamente, uma política repressora, além de recrutar a força todos os suspeitos de envolvimento nas agitações.

Porém, as medidas repressivas foram ineficazes, pois estimularam rebeliões ao invés de contê-las. Foi assim que começou a Cabanagem.

A rebelião. Preparava-se contra Lobo de Sousa um levante armado. As intensas movimentações populares, tanto na capital (Belém) como nas zonas rurais, foram aos poucos encontrando seus líderes: Eduardo Nogueira Angelim, os irmãos Vinagre (lavradores), o fazendeiro Félix Antônio Clemente Malcher, o jornalista maranhense Vicente Ferreira Lavor e o cônego Batista Campos.

Na noite de 6 para 7 de janeiro de 1834 ocorreu o levante dos cabanos, dominando facilmente a capital e executando Lobo de Sousa e as demais autoridades.

Clemente Malcher. Formou-se, então, o primeiro governo cabano, com Malcher na presidência do Pará. Este, curiosamente, declarou se fiel ao imperador e prometeu ficar no poder até sua maioridade. E mais: reprimiu a própria rebelião que o colocara no poder e mostrou completa inabilidade ao prender e deportar Angelim e Ferreira Lavor.

Enquanto Malcher se incompatibilizava com os cabanos, crescia o prestígio de Francis co Pedro Vinagre, comandante das Armas. Malcher tramou um golpe contra Francisco Pedro. Mas foi deposto, executado e substituí do pelo rival.

Francisco Vinagre. Contudo, o novo presidente dos cabanos não se mostrou muito diferente do seu antecessor. E foi mais longe: não só se declarou fiel ao governo imperial, como ainda se dispôs a entregar o poder a quem fosse por este indicado. Procurou negociar direta mente com a regência, mas foi impedido pelo irmão, Antônio Vinagre, que se colocou à frente dos cabanos. Mesmo traídos, Os revoltosos mantiveram Francisco Vinagre no poder.

O governo regencial, cada vez mais temeroso com o rumo dos acontecimentos, terminou por enviar um forte contingente militar ao Pará, sob o comando de Manuel Jorge Rodrigues, que assumiu o poder em Belém, com a ajuda do próprio Francisco Vinagre, traindo pela segunda vez os cabanos.

O fim. Com a chegada do novo presidente designado pela regência, apenas a capital foi do minada. No interior, os cabanos reagruparam suas forças e marcharam sobre Belém, retomando a cidade. O presidente Jorge Rodrigues refugiou-se na ilha de Tatuoca, enquanto os rebeldes proclamavam a República e declaravam a província desligada do Império. O novo governo cabano foi então organizado por Angelim, como presidente. Corria o mês de agosto de 183 5.

Em abril do ano seguinte, a regência enviou uma poderosa esquadra com o novo presidente, o brigadeiro Francisco José de Sousa Soares de Andréia. Depois de enfrentar alguma resistência, a fona repressiva desembarcou em Belém em 13 de maio. Os cabanos recuaram novamente para o interior, já enfraquecidos. Sem poder oferecer resistência a uma fona militar muito superior, os cabanos foram perdendo terreno e uma violenta repressão foi desencadeada contra eles.

O saldo da Cabanagem foi de 30 mil mortos e em nossa história destacou-se como o primei ro movimento popular a ter chegado ao poder.

A Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos (1835-1845)

Características do movimento. A Farroupilha (assim denominada, depreciativamente, devido à roupa peculiar dos revoltosos), conhecida também como Guerra dos Farrapos, foi um movimento separatista ocorrido no atual estado do Rio Grande do Sul, liderado pelos criadores de gado das fronteiras com o Uruguai.

A fundação da Colônia do Sacramento. A região platina, relativamente ignorada nos primeiros tempos da colonização tanto pelos espanhóis quanto pelos portugueses, tornou-se um pólo de atração graças ao porto de Buenos Aires, por onde escoava a prata peruana. Contrabandistas ingleses, holandeses e luso-brasileiros chegaram à região, apesar do esforço espanhol em coibir o comércio que julgava ilícito.

Porém, a rivalidade luso-espanhola na região tornou-se realmente sangrenta depois que a Coroa portuguesa fundou em 1080 a Colônia do Sacramento (atual Uruguai), na margem Oposta a Buenos Aires no rio da Prata.

Paulistas e a preação de índios. Essa iniciativa oficial da Coroa portuguesa baseou-se essencialmente na ocupação militar, mas foi, em seguida, reforçada pela expansão econômica liderada pelos paulistas. No tempo da ocupação holandesa do nordeste, os bandeirantes paulistas atacaram e destruíram as missões jesuíticas espanholas de Itatim e Guairá (Paraguai). Os índios guaranis aldeados, assim capturados, foram vendidos como escravos nos engenhos da Bahia.

Por volta de 1626, os jesuítas espanhóis voltaram à região, mas desta vez para se estabelecer no atual estado do Rio Grande do Sul e retomar a sua obra missionária. Mas foram atacados pelos bandeirantes em 1640. Os jesuítas abandonaram novamente a região, deixando para trás o seu rebanho de gado, que, devido à boa pastagem, multiplicou-se rapidamente.

Paulistas e a preação do gado. Retornando ao estado selvagem e em constante crescimento, esse rebanho tornou-se o principal atrativo para novas incursões paulistas na região, que trocaram assim a preação do índio pela preação do gado. Criava-se, desse modo, uma base econômica – a pecuária – para a ocupação e o povoamento do Rio Grande cio Sul.

Em 1687, os jesuítas voltaram ao Rio Grande do Sul, Onde fundaram os Sete Povos das Missões. Os índios guaranis aldeados e os colo nos espanhóis da Argentina disputavam com os luso-brasileiros o gado do numeroso rebanho da região.

A criação das estâncias. A presença luso-brasileira na região intensificou-se com a descoberta e exploração do ouro em Minas Gerais, no final do século XVII e início do XVIII. De Laguna, Santa Catarina, posto avançado da expansão paulista para o sul, começaram a chegar os preadores de gado para abastecer a região mineira. Por volta de 1719 estabeleceram se em Viamão (perto de Porto Alegre) os primeiros povoadores provenientes de Laguna. Com a ocupação dos campos de Vacaria a partir de 1730, o povoamento luso-brasileiro se intensificou, abrangendo também o litoral e a região das lagoas, com o estabelecimento das estâncias (fazendas de gado).

O interesse dos preadores que lutavam com armas em punho pela posse dos rebanhos limitava-se normalmente à extração do couro para a exportação. Porém, a carne não era aproveitada. Foi essa ação contínua e predatória que, ao diminuir o rebanho, obrigou os preadores a se estabelecerem como pecuaristas (estancieiros), passando a investir na criação do gado.

Para estimular a ocupação e garantir a posse do território, a Coroa portuguesa adotou a política de distribuição de sesmarias nas terras conquistadas aos espanhóis, para a criação de novas estâncias. Como peça importante dessa política, a Coroa entregou aos estancieiros a chefia das guardas de fronteiras, que eram utilizadas ‘nadas, em geral, para defesa de seus interesses particulares. Com isso, muito cedo os interesses regionais das estancieiros acabaram se chocando com os interesses mais gerais da Coroa portuguesa.

As charqueadas. No final do século XVIII, as bases econômicas da ocupação haviam se solidificado com a introdução da indústria da carne-seca, denominada charqueada. Ao que parece, esta foi introduzida por um cearense, José Pinto Martins, nas margens do rio Pelotas. Assim, a carne até então desprezada passou a ser aproveitada e comercializada. O charque produzido era exportado para o Rio, para a Bahia e outros portos brasileiros, além de Havana, em Cuba, e destinado à alimentação dos escravos.

No início do século XIX, os estancieiros (criadores de gado) e os charqueadores (produtores de carne-seca) eram os representantes das duas principais atividades econômicas do Rio Grande do Sul. Como centro exportador de couro para a Europa e os Estados Unidos, e principalmente como fornecedor de alimento para os escravos, a economia rio-grandense desenvolveu-se subordinada ao setor agroexportador, sobretudo da nordeste. E foi essa subordinação uma das peculiaridades da economia rio-grandense.

Contudo, as charqueadas platinas (Argentina e Uruguai) também se desenvolviam, contando com um forte apoio oficial. Ao contrário da produção rio-grandense, os saladeros platinos eram beneficiados com isenção de impostos para a importação do sal e para a exportação do charque.

Os produtores platinos, que representavam uma séria ameaça às charqueadas riograndenses, viram, entretanto a sua economia se desorganizar no início do século XIX (1810 1820), devido à luta pela independência desencadeada contra o domínio espanhol. Mesmo depois da emancipação, a região platina continuou conturbada pela pretensão de Buenos Aires em impor a sua hegemonia, agravada ainda mais pela intervenção portuguesa.

Vale rememorar que, em 1816, por iniciativa de D. João, o atual Uruguai foi incorporado ao Brasil com o nome de Província Cisplatina. A partir disso, a nova província passou também a fornecer gado para as charqueadas, ao mesmo tempo em que os estancieiros riograndenses puderam se estabelecer na Cisplatina.

O Rio Grande do Sul depois da emancipação. Depois da independência do Brasil, o Rio Grande do Sul tornou-se importante por dois motivos: fornecia o charque para a alimentação dos escravos e desempenhava um destacado papel militar na fronteira, assegurando a posse territorial. Mas os riograndenses estavam decepcionados. O poder central nomeava os presidentes das províncias, e dos impostos re colhidos quase nada ficava nas províncias. O imposto para a importação do sal – importante matéria-prima do charque – era elevado, ao passo que o imposto para a importação do charque argentino era baixo.

A emancipação do Uruguai. Com a emancipação do Uruguai, depois da Guerra Cisplatina (1825-1828), a situação piorou. Primeiro, as manadas diminuíram no Rio Grande; depois, o novo governo uruguaio impôs pesa das taxas à entrada e saída do gado, onerando pesadamente a atividade pecuarista. A fim de obter a diminuição daquelas taxas, os estancieiros das fronteiras começaram a se imiscuir na política interna do Uruguai. Prestavam auxílio aos caudilhos da oposição para derrubar o governo de Montevidéu, a fim de que estabelecessem uma política alfandegária favorável aos seus interesses. Não tardou muito para que os protestos do governo uruguaio começassem a criar problemas diplomáticos ao governo imperial.

Estancieiros e charqueadores. Além dos problemas advindos da emancipação do Brasil e do Uruguai, havia outro que vinha dos interesses conflitantes entre estancieiros e charqueadores. Os primeiros eram, essencialmente, criadores de gado. Embora alguns charqueadores fossem também criadores (estancieiros), as duas atividades estavam geralmente separadas e comandadas por pessoas diferentes.

Enquanto os estancieiros queriam a mais ampla liberdade para cruzar a fronteira uruguaia para invernar (engordar) o seu gado, os charqueadores temiam a sua evasão. Para estes últimos, era desejável que os estancieiros fossem forçados a fornecer o gado para as suas indústrias de charque. Por isso, viam com bons olhos a cobrança de altos impostos para evitar a saída do gado do Rio Grande.

Os charqueadores, entretanto, também tinham os seus problemas, pois sentiam-se prejudicados pelas facilidades concedidas às importações da carne-seca de procedência platina. Porém, na medida em que os charqueadores riograndenses vendiam a sua produção no mercado interno, encontravam-se subordinados e dependentes dos setores agro exportadores. Isso não ocorria com os estancieiros, que podiam engordar o seu gado nos pastos uruguaios e vendê-los para os saladeros platinos.

Os ressentimentos. Do ponto de vista da economia agroexportadora, que tudo subordinava aos seus objetivos, a pecuária rio-grandense era, naturalmente, um setor que não podia ambicionar grandes lucros, pois estava impedida de onerar o setor principal da economia, cujos preços deveriam se manter competitivos no mercado internacional.

Os charqueadores riograndenses, obviamente, criticavam a ausência de proteção aos seus produtos e o elevado custo dos componentes da produção do charque, como o sal. Julgavam ademais que as freqüentes crises eram conseqüência de meras arbitrariedades do setor agroexportador e não atinavam para outra causa que pesava no seu insucesso: o escravismo. De fato, a posição desfavorável dos ganhos no mercado do charque, em relação à produção platina, devia-se também ao alto custo motivado pela baixa produtividade da mão-de-obra escrava. Ao contrário, os saladeros assentavam sua economia no braço livre e na divisão mais racional do trabalha, que baixava os custos, aumentando a produtividade.

Em 1838, Bento Gonçalves, um líder dos estancieiros, expôs num manifesto todo o ressentimento acumulado: “A carne, o couro, o sebo, a graxa, além de pagarem nas Alfândegas do País o duplo dízimo de que se propuseram aliviar-nos, exigiam mais quinze por cento em qualquer dos portos do Império. Imprudentes legisladores nos puseram desde este momento na linha dos povos estrangeiros, desnacionalizaram a nossa Província e de fato a separaram da Comunidade Brasileira (…) Tirou-nos o dízimo do gado muar e cavalar e o substituiu pelos direitos de introdução às outras províncias. Nós os pagávamos onerosos em Santa Vitória, escandalosos em Rio Negro, insuportáveis em Sorocaba, pontos preciosos do trânsito dos nossos tropeiros aos mercados de São Paulo, de Minas e da Corte”.

A rebelião. A peculiaridade econômica do Rio Grande tornou a sociedade extremamente favorável aos apelos republicanos e federa listas, bases das lutas revolucionárias da América espanhola (Uruguai, Paraguai e Argentina), com a qual os estancieiros conviviam estreitamente.

Em 1834 realizou-se a primeira eleição para a Assembléia Legislativa Provincial, na qual a maioria dos deputados eleitos pertencia aos farroupilhas. Dispondo agora de um instrumento político para fazer valer os seus interesses, os deputados estavam dispostos a derrubar os altos tributos e desobedecer às determinações do poder central. A Assembléia eleita era contra o presidente da província, Antônio Rodrigues Fernandes Braga, tido como inimigo dos estancieiros.

A oposição entre a Assembléia Provincial e o Executivo, que representava o governa central, conduziu finalmente ao confronto militar em 20 de setembro de 1835. Os rebeldes liderados por Bento Gonçalves dominaram Porto Alegre e, já no ano seguinte, proclamaram a República Riograndense ou República de Piratini.

O presidente nomeado foi Bento Gonçalves, que, no entanto, depois de ser derrotado em 1836 pela regência, foi preso e levado à Bahia. Mas conseguiu fugir em 1837 com a ajuda dos radicais baianos ligados à Sabinada – que veremos adiante. Ao retornar ao Rio Grande do Sul reassumiu a presidência e a chefia dos farrapos. Nesse mesmo ano de 1837, uniu se aos rebeldes o célebre revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi, uma das principais figuras da luta pela unificação italiana em 1871.

Expansão da revolta. Em 1839, Garibaldi e Davi Canabarro chefiaram expedições militares a Santa Catarina, onde proclamaram a Re pública Catarinense ou República Juliana. Nesse momento, a Guerra dos Farrapos atingiu seu clímax. E foi também nesse momento que a revolta começou a perder impulso. E isso por dois motivos: a revolta farroupilha tinha uma estreita base social e a ela não aderiu a totalidade da população rio-grandense; por outro lado, a própria característica de sua economia, subordinada ao setor agroexportador não permitia que ela se desligasse do resto do Brasil.

A pacificação. Em 1840, com a antecipação da maioridade de D. Pedro II, foi oferecida anistia a todos os revoltosos. A intenção pacifista do novo gabinete não alcançou, entretanto, o fim desejado: os farrapos insistiram na luta.

Somente em 1842, com a designação do barão de Caxias (futuro duque), os farrapos foram dominados. O novo chefe da repressão adotou meios eficientes: cortou as vias de comunicação do Rio Grande, isolando-o do Uruguai; procurou negociar com os rebeldes, afastando o radicalismo e abrandando o ânimo revolucionário.

Enfim, em março de 1845, quando Davi Canabarro e Caxias entraram em acordo, a rebelião dos farrapos estava terminada. A concessão oficial foi enorme: anistia geral aos revoltosos; incorporação dos soldados e oficiais ao Exército imperial em igual posto, exceto o de general; e devolução das terras que haviam sido confiscadas pelo governo.

Rebelião Escrava na Bahia: o Levante Malê (1835)

O termo “Malê” deriva de imale, palavra ioruba que designa muçulmano.

Antecedentes. Malê era o nome pelo qual eram conhecidos os escravos africanos adeptos da religião muçulmana ou maometana. Com esse mesmo nome foi designado o levante escravo de 183 5, ocorrido na noite de 24 para 25 de janeiro, em Salvador. A rebelião durou aproximadamente três horas e dela participaram mais de quinhentos indivíduos, escravos e libertos, resultando na morte de setenta revoltosos. O movimento poderia ter trazido graves conseqüências para a sociedade escravista baiana, se as autoridades não tivessem tomado conhecimento antecipado, graças à delação por ex-escravos fiéis aos seus antigos senhores. A rebelião foi planejada por participantes que haviam tido experiências anteriores de combates na África.

Seu plano era audacioso: libertar Salvador e levar a rebelião para o Recôncavo. Em seus cálculos, os rebeldes levaram em conta e tenta ram explorar a seu favor as divergências no seio da camada dominante senhorial e a insatisfação dos homens livres e pobres. Embora fracassasse em algumas horas, o levante malê foi motivo de grande inquietação para as camadas dominantes em todo o país.

Rebeliões escravas. No século XIX, depois da instalação da Corte no Rio de Janeiro, começara o período decisivo do processo de emancipação política do Brasil. O rompimento dos laços coloniais, ao desfazer uma ordem estabelecida, deu origem a um longo período de instabilidade política. A divisão da camada da mirante senhorial e os freqüentes choques entre centralistas e federalistas deram oportunidade para a emergência dos radicais ou exaltados, que muitas vezes lideraram agitações populares nas quais estavam presentes negros e mulatos libertos e, não raro, os próprios escravos.

Porém, essas rebeliões políticas, mesmo as mais radicais, não tiveram caráter antiescravista. Na Bahia do início do século XIX não foi diferente. Como em várias partes do Brasil, existia na Bahia uma longa tradição de rebelião escrava e o levante dos malês inscreveu-se nessa tradição. É inegável que a instabilidade política do período favoreceu a multiplicação de revoltas escravas: de 1807 a 1830, quase vinte rebeliões escravas foram registradas na Bahia,

O levante dos malês. Todavia, diferentemente da maioria dos levantes anteriores, o dos malês ocorreu na própria cidade de Salvador. Planejado desde 1834, os rebeldes haviam es colhido o 25 de janeiro de 1835, dia de Nossa Senhora da Guia, para desencadear o movi mento. Era domingo e dia de festa religiosa, com o conseqüente relaxamento da vigilância sobre os escravos.

Já no sábado, dia 24, corriam rumares do levante do dia seguinte, mas apenas entre es cravos e libertos. Nesse mesmo dia, o liberta Domingos Fortunato, depois de contar o que sabia á sua mulher, Guilhermina Rosa de Sousa, mandou um recado ao seu antigo senhor, dando notícia do plano da rebelião. Ela não foi considerada. O mesmo fez Guilhermina, que passou a mesma informação ao seu ex-senhor, Sousa Velho, e também a um vizinho branco, que, enfim, encarregou-se de tudo comunicar ao juiz de paz. Tomando conhecimento da plano da rebelião na noite de sábado, as autoridades tomaram de imediato as medidas necessárias para a repressão do movimento.

Depois de vasculhar as casas de africanos na cidade, uma patrulha finalmente chegou a um sobrado da ladeira da praça, em cuja loja (que ficava numa espécie de subsolo) estavam reunidos cinqüenta ou sessenta africanos ultimando os preparativos para a revolta. Antes que a patrulha arrombasse a porta, as rebeldes saíram atacando aos gritos de “mata soldado” e, rompendo o cerco, fugiram em vários grupos.

Um desses grupos tentou tomar de assalto a cadeia para libertar Pacífico Licutan, um líder malê, fracassou e foi dispersado pela ação dos soldados.

Enquanto a agitação de rua prosseguia, os revoltosos foram recebendo adesões na praça do Teatro (hoje, praça Castro Alves). As fonas repressivas, por sua vez, se organizaram rapidamente e repeliram as tentativas de ataque aos quartéis, pondo em fuga, finalmente, os revoltosos. Estes procuraram sair da cidade, mas foram barrados na quartel da cavalaria em Água dos Meninos, onde se deram os combates decisivos e a derrota dos rebeldes.

No confronto foram mortas cerca de setenta revoltosos. Mais de duzentos foram presos e julgados: quatro foram executados. As penas dos demais variaram de prisão a açoite e deportação para a África.

Escravismo e rebelião. A rebelião dos escravos, diferentemente da de outras camadas, incidia sobre os fundamentos estruturais da sociedade. Por essa razão, mesmo um movimento cuja duração não ultrapassou algumas horas era suficiente para espalhar o pânico e a in quietação entre as camadas senhoriais, mas não exclusivamente.

De fato, a escravidão no Brasil era generalizada e não se concentrava apenas nas grandes propriedades. Nas cidades, a exemplo de Salvador, ter escravos era aspiração comum de todos os homens livres. Não ter pela menos um escravo era sinal de pobreza. Não era excepcional ex-escravos tornarem-se donos de escravos. E há exemplos curiosos de alguns es cravos serem donos de escravos.

Portanto, não eram apenas os ricos que tinham escravos. Ao contrário, supõe-se que a maioria dos escravos era propriedade de pequenos escravistas, com menos de dez escravos, que deles dependiam para ganhar a vida ou simplesmente sobreviver. Ter escravos, na maioria dos casos, não era propriamente um luxo.

Embora a escravidão fosse praticada até mesmo por ex-escravos, existia uma linha muito nítida separando os brancos dos negros e mulatos, escravos ou não. .A discriminação racial era uma realidade de norte a sul do pais. O que não significava que não se fizessem algumas distinções entre a camada dos “homens de car”. Na linguagem da época, o termo “preto” era utilizado sempre para designar o africano; para os negros nascidos no Brasil, a palavra era “crioula”, existindo ainda os “mulatos” e os “cabras”. Estes últimos eram indivíduos cuja car da pele os situava numa posição intermediária entre o crioulo e o mulata.

Pois bem, o levante dos malês foi caracteristicamente africano e poucos foram os crioulos e mulatos que dele participaram. Segundo estimativas do historiador João José Reis3 existiam em Salvador cerca de 27 500 escravos, dos quais 17 325 eram africanos e 10175, não africanos.

A prosperidade econômica da Bahia no final do século XVIII, durante o chamado “renascimento agrícola”, estimulou a importação de africanos em quantidade significativa até por volta de 1550. Esse novo e macro contingente de escravos foi trazido da região da baía de Benin, com forte predomínio dos povos conhecidos como iorubas (ou nagôs) e também jejes.

A chegada desses novos africanos escraviza dos correspondeu ao período em que aumentaram as revoltas dos escravos, das quais fez parte o levante malê. E essa foi quase a regra geral: as rebeliões eram sempre mais freqüentes onde predominavam escravos africanos.

Os escravos nascidos no Brasil, os crioulos, descendiam de outros povos africanos: os bantos (de Angola e do Congo), os negros da Costa da Mina e outros grupos menores. Tendo nascido no Brasil já como escravos, os crioulos não tinham a experiência anterior de homens livres, como os africanos recém-chegados. A sua resistência à escravidão era, portanto, diferente. Na tradição banto, ela assumia a forma típica nos quilombos.

No levante de 1835, quase 70% dos aprisionados eram nagôs. O historiador João José Reis identificou sete lideres da rebelião, em seu estudo citado anteriormente: Ahuna, Pacífico Licutan, Luís Sanim, Manuel Calafate, Elesbão do Carmo (Dandará), Nicobé e Dassalu. O primeiro, Ahuna ou Aluna, parece ter sido o principal líder, mas de quem se ignora quase tudo, pois conseguiu escapar e dele não se teve mais notícias. Os demais, embora sendo africanos de origens diversas, tinham em comum o fato de serem muçulmanos (malês), conhecedores do Alcorão e da escrita árabe e respeitados entre os africanos.

Esse foi provavelmente o núcleo idealizados e iniciador da rebelião. E, de modo algum, o levante teve motivos exclusivamente religiosos. A rebelião malê foi, em sua essência, um levante antiescravista liderado por escravos. E, por razões étnicas, os rebeldes africanos hostilizaram tanto os crioulos quanto os mulatos, considerados pertencentes ao mundo dos brancos. De fato, crioulos, mulatos e cabras eram utilizados pelos brancos como fona repressiva contra revoltas escravas. Por isso, o projeto da revolta malê era tornar a Bahia um território só de africanos. Os brancos e os crioulos seriam mortos e, segundo Guilhermina Rosa de Sousa – mulher de Domingos Fortunato, denunciante da revolta -, os revoltosos poupariam os mulatos, que seriam posteriormente escravizados.

Sobre esse último ponto, convém salientar que os rebeldes africanos pertencentes às etnias iorubá-nagô, jeje e hauçá não desconheciam, em sua terra de origem, a escravidão. Mas a eles eram estranhos os valores europeus de democracia e igualdade social, pelo menos na forma teorizada pelos filósofos iluministas. Portanto, se o levante antiescravista dos malês pode ser considerado justo em sua motivação, de qualquer ponto de vista imaginável, disso não se conclui que a ordem social que tinham em mente fosse necessariamente justa.

Sabinada (1837-1838)

A rebelião. A Sabinada foi uma rebelião contra o poder central, ocorrida na Bahia. Um de seus lideres foi Francisco Sabino Vieira, médico e jornalista, do qual decorreu o nome de Sabinada. Da rebelião participaram as camadas médias da sociedade baiana; oficiais militares, profissionais liberais, funcionários públicos, pequenos comerciantes e artesãos. No de correr do ano de 1837, difundiram-se boatos de levante e rebelião em Salvador. O poder central do Rio de Janeiro foi informado de tal ameaça em maio, pelo presidente da província, Sousa Paraíso. O Novo Diário da Bahia, publicado por Sabino, pregava aberta mente a revolução, e os “clubes” revolucionários atuavam sem restrições.

No início de novembro várias denúncias chegaram às autoridades, mas Sousa Paraíso limitou-se, no dia 4 de novembro, a alertar os baianos contra os “desorganizadores” que pretendiam a separação da Bahia.

Finalmente, a rebelião longamente denunciada eclodiu no dia 6 de novembro de 1837. Às oito horas da noite desse dia, os líderes, entre eles Sabino, dirigiram-se ao Forte de São Pedro.

O presidente da província, Paraíso, e o seu comandante das Armas, Luís França, que até então não haviam tomado nenhuma medida, perderam rapidamente o controle da situação. As tropas foram aderindo aos rebeldes e ambos se viram obrigados a fugir.

Na manhã do dia 7, os rebeldes dirigiram-se à Câmara Municipal de Salvador e convocaram uma sessão extraordinária. Nela apresentaram um documento que declarava a independência da Bahia. Nomeava-se como presidente Inocêncio Rocha Galvão, um advogado que se exilou nos Estados Unidos, acusado de ter participado do assassinato do comandante das Armas em 1824. Era uma nomeação simbólica, pois Inocêncio Rocha Galvão não voltou à Bahia.

A presidência foi entregue ao vice, João Carneiro da Silva Rego; Sérgio José Veloso assumiu o cargo de comandante das Armas e Sabino ficou como secretário de governo.

Logo no início, dois acontecimentos começaram a atuar contra os rebeldes; 1) comerciantes portugueses e pessoas ricas deixaram Salvador com seus bens, seguidos pelos funcionários públicos, que levaram consigo as chaves dos cofres e das repartições; 2) Paraíso, o presidente deposto e refugiado no Recôncavo, pediu e recebeu o apoio de Alexandre Gomes de Argolo Ferrão, tenente-coronel e poderoso senhor de engenho, que traçou os planos que seriam seguidos para sufocar a rebelião. Em seguida, Paraíso renunciou e foi substituído por Antônio Pereira Barreto Pedroso, que assumiu o comando da repressão em 19 de novembro.

A partir do dia 13 de novembro, os lega listas começam a colocarem prática os planos. O governo expulso de Salvador se recompôs na vila de São Francisco, e Cachoeira foi escolhida para sediar a justiça. A força militar foi recrutada na Guarda Nacional do Recôncavo e se concentrou em Pirajá, e no final de novembro 1200 homens já estavam acampados na região. Com a ajuda de famílias ricas, unidades de combate foram recrutadas em seus do mínios e equipadas à sua custa; o arcebispo da Bahia, D. Romualdo Seixas, transferiu-se para Santo Amaro. Foi ordenado o bloqueio naval de Salvador, que se concretizou já na segunda se mana de dezembro. O novo presidente da província, Barreto Pedroso, criou destacamentos em vários municípios para impedir a difusão da Sabinada e evitar o sempre temido levante de escravos.

Enquanto isso o êxodo de Salvador continuou, sem interferência dos rebeldes, que ainda não haviam sentido os efeitos do bloqueio que tinha por objetivo sufocá-los economicamente. A rebelião não se expandiu para outras regiões da província e Salvador ficou isolada. No último dia de novembro, com uma fona não superior a 2 mil homens, os rebeldes atacaram posições legalistas, mas foram repelidos.

No dia 2 de dezembro o aniversário do futuro D. Pedro II foi comemorado pelos legalistas e, curiosamente, também pelos rebeldes, em Salvador. Ao longo desse mês, os efeitos do bloqueio começaram a ser sentidos em Salvador: escassearam farinha de trigo e de mandioca.

Em contraste, os legalistas que dominavam o Recôncavo recebiam abundantes auxílios do Rio de Janeiro e de outras províncias e organizavam ativamente o ataque, aguardando o mo mento oportuno. A falta de iniciativa dos rebeldes e o tempo contavam a favor dos legalistas.

Essa falta de iniciativa devia-se, aparente mente, à indefinição dos rebeldes em relação aos objetivos de seu movimento. Embora decretassem a separação, os rebeldes comemoraram o aniversário do futuro imperador. De fato, esse era um ponto bastante estranho, mas, entre os rebeldes, havia os que defendiam a separação apenas enquanto durasse a menoridade do imperador. Deve-se observar também que, uma vez no poder, os rebeldes começaram a agir como qualquer governo normalmente empossado. Em fevereiro de 1838, quando a falta de gêneros alimentícios começou a atingir duramente toda a população, os rebeldes baixaram um decreta aumentando os salários do presidente e de seus ministros, já que os vencimentos anteriores, bastante módicos, foram considerados incompatíveis com a “dignidade” (conforme expressão do próprio decreto) dos cargos.

Os rebeldes conduziam-se, portanto, como governo e não como revolucionários. E isso foi notado por f João da Veiga Murici, um professor que se transformara, com a rebelião, em tenente e secretário da Artilharia. Dizia ele: “(…) este governo, operando em uma pensada revolução, só quer marchar restrito às leis antigas, como se estas não fossem proscritas pela revolução, e desta forma ficando no status quo (…) donde certamente virá resultar o cair por terra o edifício revolucionário, e de nada valerem as observâncias de legalidades”. E disse mais: “a partir deste fundamental princípio – [de] que a lei da revolução é tudo aquilo que tende a fazê-la prevalecer, e por isso não há agora legalidades, antigas contemplações, escrúpulos, divisão de poderes, economias expendiosas contra o sagrado progresso da causa”.

Os rebeldes chegaram mais perto desse espírito revolucionário em fevereiro de 1838, quando confiscaram os bens das que haviam fugido de Salvador para o Recôncavo e jogaram nas prisões os portugueses. No último decreto dos revoltosos, datado de 19 de fevereiro, prometia-se alforria (liberdade) para os es cravos nascidos no Brasil que se alistassem nas tropas, indenizando seus proprietários. Por fim, nos dias 17 e 18 de fevereiro, os rebeldes lançaram uma ofensiva. O combate durou trinta e cinco horas e, novamente, foram derrotados.

Na ocasião, já era visível a desmoralização das forças rebeldes, nas quais reinava a mais completa indisciplina. A ofensiva legalista que começou em 12-13 de mamo não encontrou dificuldade em entrar finalmente em Salvador e derrotar, definitivamente, as rebeldes. Na dia 17 o presidente da província, Barreto Pedroso, chegou a Salvador e Sabino foi preso no dia 22 de mamo. Haviam sido mortos 1258 rebeldes e 2 989 foram aprisionados.

Os rebeldes presos foram julgados e os principais, condenados à morte. Porém, com a antecipação da maioridade de D. Pedra II, os condenados foram anistiados e postos em liberdade, mas proibidos de permanecer em Salvador. Sabino foi obrigado a transferir-se para Goiás, onde continuou politicamente ativa.

Características da Sabinada. Pode-se caracterizar a Sabinada como um movimento filiado à tendência liberal radical (exaltados, na Regência). O movimento não foi propriamente revolucionário, embora a consciência revolucionária não estivesse ausente, corno demonstra o ponto de vista do professor João da Veiga Murici.

Apesar do fracasso, a Sabinada baseou-se numa queixa muito generalizada, compartilhada até mesmo pela camada dominante. O próprio Sabino expressou de maneira sintética as queixas, com as quais a maioria parecia estar de acordo: “O verdadeiro governo é o governo das maiorias, e da opinião pública; as massas não devem estar à disposição de meia dúzia de espertos; o governo absoluto não presta; com o governo constitucional monárquico nada temos feito, antes cada vez mais retrogradamos; as reformas das constituições foram quimeras; a tropa ficou na mesma; o monopólio da corte se conserva; tudo para lá vai; tudo só lá se pode ver; as promoções militares são somente para a corte; alferes e tenentes de 12, 16 e 20 anos, enganadas estavam e enganados ficaram com tais reformas; dinheiro só circula na corte; a pobreza e a miséria das províncias vai em espantoso aumento. Vede a Bahia, a 2.ª capital do império, a que se acha reduzida!”

Como se pode verificar, a crítica estava totalmente voltada contra o poder central. E o jornal Novo Diário da Bahia, do próprio Sabino, sustentou em novembro de 1837 que a rebelião era “uma segunda Revolução da Independência” . Os grandes proprietários da Bahia não estavam em desacordo com essa opinião. Um deles, depois de oferecer sessenta homens equipados para a tropa legalista, declarou sem rodeios: “Dou esta gente não porque não adote a revolução, que acho boa, mas porque não quero ser governado pelo Dr. Sabino” .

Nessa fala, onde se lê “Dr. Sabino”, deve-se entender que o autor da frase refere-se, na realidade, ao grupo social de extrato médio que liderou a rebelião, apoiando-se nos contingentes populares de negros e mulatos que integravam o exército rebelde. Na medida em que os rebeldes oscilavam entre o federalismo e o separatismo, a república e a monarquia, mas assumindo o papel de governo sem decidir-se pela revolução, não conseguiram empolgar as camadas populares. Contudo, pelas circunstâncias, estavam suficientemente próximos destas últimas para despertarem a antipatia da camada dominante. Tal oscilação revelava a fraqueza do movimento e a razão de sua derrota.

Balaiada (1838 – 1841)

A eclosão da Balaiada. No dia 13 de dezembro de 1838, na vila da Manga, no Maranhão, um grupo de vaqueiros liderados por Raimundo Gomes invadiu a cadeia local para libertar alguns companheiros que tinham sido presos dois dias antes.

A operação teve êxito e, com o apoio do destacamento local da Guarda Nacional, o grupo de vaqueiros tomou conta do lugarejo. Um manifesto foi divulgado. O seu conteúdo era o seguinte:

Ilmo. Sr. Capitão Manuel Alves d’Abreu, Vila da Manga, 15 de dezembro de 1838. Como Acho nesta Vila com a Reunião do Povo e bem do socego publico coma consta do Artº sig Te. (1°) Que seja sustentada a cons­constituição e garantido dos cidadãos. (2°) Que seja admetido o Presidente de Província e em Tregue o governo Vice-Prezidente. (3°) Que seja abolidos os Prefeitos e Subs-Prefeitos, Comissarios ficando som.tes em Vigorar Leis geraes e as Províncias que não forem de em contra a Constituição do Império. (4°) Que sejão espulcados empregos portuguezes e Dispejarem A Província dentro em 15 dias com exseção dos catados com famílias brasileiras e os de 60 anos para sima.

Rimundo Gomes Vieira – Comde da Forca armada.

Segeu a Cap. Alberto Gomes Ferreira evitar todos os Cidadoes Brasileiros e amigos da Patria e do sucego Publico para se acharem neste Quartel da forca Armada para o bem do Brazil. Quartel da Forca.

Manga 14 de Dr. o de 1838. Comde da Forca.

Fora feitores de escravos.

Começava assim a Balaiada.

As origens do movimento. Da proclamação da independência em 1822 à abdicação de D. Pedro I em 1831, como aconteceu em várias partes do Brasil, as revoltas tiveram por alvo os portugueses e o absolutismo de D. Pedro I.

No início da Regência, como já vimos, do minaram os liberais, até a renúncia de Feijó como regente uno, em 1837. Durante o seu governo (183_5-1837), o Maranhão foi governa do pelos liberais, conhecidos então como bem-te-vis. Os seus adversários, os cabanos (não confundir com os cabanos do Pará), eram os conservadores e seus membros eram oriundos do antigo “partido português” (restauradores), favoráveis à volta de D. Pedro I. Apesar de se encontrarem em luta política feroz, os membros dos dois grupos políticos, tanto bem-te-vis quanto cabanos, pertenciam à camada social dominante e rica do Maranhão.

Com a ascensão de Araújo Lima como re gente (1837-1840) e a vitória dos conservadores no governo central do Rio de Janeiro, os cabanos do Maranhão conquistaram o poder. Contando com a maioria na Assembléia Provincial e com o controle do poder Executivo – o presidente da província era Vicente Pires Camargo -, os cabanos afastaram totalmente os bem-te-vis do governo e adotaram a mesma política utilizada por estes últimos para permanecerem no poder: as fraudes e a violência,

Através de seu principal jornal, Crônica Maranhense, os bem-te-vis atacavam os cabanos, no que eram seguidos por jornais menores, dos quais destacou-se o Bentevi, que pregava abertamente a revolução. Os cabanos defendiam-se através de seu órgão oficial, Investigador Maranhense.

No momento em que no Rio de Janeiro começava-se a discutir a conveniência de uma Lei Interpretativa do Ato Adicional, a fim de re tornar ao centralismo, os cabanos do Maranhão tomaram medidas para reforçar o próprio poder na província. A Assembléia Legislativa maranhense votou duas leis: a primei ra deu ao presidente da província o poder de nomear os prefeitos, a segunda deu aos prefeitos o poder de organizar e comandar a Guarda Nacional. Desse modo, os cabanos anteciparam-se ao movimento centralizador que se iniciava no Rio de Janeiro: tinham agora o controle das prefeituras e através delas o das fonas armadas em toda a província.

Os bem-te-vis protestaram, inutilmente. Os cabanos, para prejudicá-los, adotaram no interior da província o recrutamento indiscriminado de boiadeiros, feitores, agregados ligados aos bem-te-vis. Foi assim que a luta entre os membros da camada senhorial dominante acabou por atingir as camadas populares, que aderiram à revolta iniciada pelo vaqueiro Raimundo Gomes.

Ampliação da revolta popular. Enquanto os dois grupos rivais lutavam entre si, Raimundo Gomes levou a revolta para o interior do Maranhão. E em janeiro de 1839 já contava com a participação de Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, chefe de um dos grupos de rebeldes. Ele era fazedor de balaios, apelidado, por isso, de o Balaio, de onde veio o nome do movimento.

A agitação popular que tomou conta do interior do Maranhão beneficiava os bem-te-vis. Embora estes não se considerassem responsáveis, nem declarassem abertamente apoio ao movimento, mostravam-se intimamente satisfeitos com os problemas que isso tudo trazia à administração dos cabanos. O fato, entretanto, é que os balaios foram muitas vezes recebidos pelos partidários dos bem-te-vis, que oferece ram suprimentos em munições e alimentos. Acusados de apoiarem a rebelião, os bem-te-vis alegaram pelos jornais que foram obrigados a colaborar com os revoltosos em armas para protegerem as próprias vidas.

Em março de 1839, tomou posse o novo presidente da província, Manuel Felizardo de Sousa e Melo, substituindo Vicente Camargo.

Para pôr fim rapidamente à revolta, o novo presidente enviou uma força de quatrocentos homens contra os balaios, a qual, no entanto, foi derrotada pela guerrilha sertaneja.

A rebelião espalhou-se também para o Piauí, de onde chegou um reforço de 660 homens, comandados por um jornalista radical, Lívio Lopes Castelo Branco e Silva.

O movimento balaio chegou ao auge com a tomada da cidade de Caxias, segunda cidade da província do Maranhão, em julho de 1839. A capital, São Luís, foi então tomada de pânico e começou a se preparar para a eventualidade de uma invasão, o que acabou não acontecendo.

Nesse ponto, os bem-te-vis mudaram de comportamento e começaram a buscar uma saída para a crise. O primeiro passo foi a sua aproximação do presidente da província, considerado agora como alguém situado acima dos partidos.

A divisão dos poderosos em bem-te-vis e cabanos, com os primeiros aproveitando-se das circunstâncias para enfraquecer os segundos, tinha favorecido o relativo sucesso dos balaios. Ao movimento destes últimos aderia cada vez maior número de pessoas das camadas baixas da sociedade. Em seus manifestos, divulgados pelos jornais, eles se declaravam bem-te-vis, mas seus objetivos eram bem diferentes dos verdadeiros bem-te-vis, que pertenciam à alta esfera da sociedade. Basta citar a palavra de ordem do fim do manifesto de Raimundo Gomes – “fora feitores de escravos” -, que não seria, é claro, adotada pelos bem-te-vis.

A Balaiada propriamente dita era formada por índios, negros e mestiços. E devemos distingui-la de outro grupo de revoltosos que atuava no mesmo momento e lugar, que podemos chamar propriamente de bem-te-vis, que incluía indivíduos da camada média, como oficiais e soldados da Guarda Nacional aglutinados sob a liderança de Lívio Lopes Castelo Branco e Silva e de outros da mesma classe.

A rigor, a Balaiada não foi um movimento unificado por uma única liderança. Ao lado de Raimundo Gomes, Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, o Balaio, destacou-se o negro Cosme Bento das Chagas, que liderava um grande contingente de escravos fugitivos.

Desde a tomada de Caxias, bem-te-vis e cabanos começaram a se unir e definiram uma tática contra os balaios. A sua principal arma foi o suborno. Listas com o intuito de arrecadar contribuições para esse fim foram passadas em 1839. A primeira vítima dessa armadilha contra os balaios foi o caboclo Coque, um dos líderes subornados, que traiu o movimento. O fato foi amplamente noticiado pela imprensa, visando a desmoralização do movimento.

A ofensiva contra os balaios foi acertada com a Carta Imperial de 12 de dezembro de 1839, que nomeava o coronel Luís Alves de Lima e Silva – futuro duque de Caxias – como presidente da província e comandante de todas as forças repressivas do Maranhão, com poderes de intervenção nas províncias do Piauí e Ceará. O novo presidente tomou posse em 4 de fevereiro de 1840, fazendo um pra pronunciamento que entusiasmou a população branca.

Como primeira medida, o novo presidente pagou os soldos atrasados e tratou de elevar o moral das tropas. Enquanto isso, os balaios se enfraqueciam com as deserções e a perda do apoio passivo dos bem-te-vis. Com uma tropa de 8 mil homens, dividida em três colunas, Luís Alves de Lima e Silva começou a atacar e a cercar os redutos balaios. Raimundo Gomes sofreu várias derrotas e acabou se refugiando no Piauí, onde reorganizou suas fonas para novos confrontos. Foi novamente derrotado. Buscou refúgio entre os negros de Cosme, mas acabou sendo por este aprisionado. A essa altura, Cosme era o principal líder ainda em atividade. Raimundo Grames conseguiu, entretanto, fugir e tentou recompor suas forças. Aprisionado pelas forças oficiais, em circunstâncias desconhecidas, chegou morto em São Paulo. Cosme continuou a luta, mas foi vencido, preso e enforcado. A Balaiada tinha chegado ao fim.

Em 13 de maio de 1841, Luís Alves de Lima e Silva fez o balanço de sua atuação num relatório, onde dizia: “Não existe hoje um só grupo de rebeldes armados, todos os chefes foram mortos, presos ou enviados para fora da província… Se calcularmos em mil os seus mortos pela guerra, fome e peste, sendo o numero dos capturados e aprisionados durante o meu governo passante de quatro mil, e para mais de três mil os que reduzidos á fome e cercados foram obrigados a depor as armas depois da publicação do decreto de anistia, temos pelo menos eito mil rebeldes; se a estes adicionar mos três mil negros aquilombados sob a direção do infame Cosme, os quais só de rapina viviam, assolando e despovoando as fazendas, temos onze mil bandidos que com as nossas tropas lutaram, e dos quais houvemos completa vitória. Este cálculo é para menos e não para mais: toda esta província o sabe”.

Assim o coronel apresentava os números e a dimensão da revolta que o combateu e dava por terminada a sua missão.

O Período das Regências (1831-1840) – – MARCO MOREL

Bibliografia:

História do Brasil – Luiz Koshiba – Editora Atual

História do Brasil – Bóris Fausto – EDUSP

6 comentários em “REBELIÕES NO PERÍODO REGENCIAL”

  1. Como primeira medida, o novo presidente pagou os soldos atrasados e tratou de elevar o moral das tropas. Enquanto isso, os balaios se enfraqueciam com as deserções e a perda do apoio passivo dos bem-te-vis. Com uma tropa de 8 mil homens, dividida em três colunas, Luís Alves de Lima e Silva começou a atacar e a cercar os redutos balaios. Raimundo Gomes sofreu várias derrotas e acabou se refugiando no Piauí, onde reorganizou suas fonas para novos confrontos. Foi novamente derrotado. Buscou refúgio entre os negros de Cosme, mas acabou sendo por este aprisionado. A essa altura, Cosme era o principal líder ainda em atividade. Raimundo Grames conseguiu, entretanto, fugir e tentou recompor suas forças. Aprisionado pelas forças oficiais, em circunstâncias desconhecidas, chegou morto em São Paulo. Cosme continuou a luta, mas foi vencido, preso e enforcado. A Balaiada tinha chegado ao fim

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