O ROUBO DE CRIANÇAS INDÍGENAS |AUSTRÁLIA E CANADÁ


O roubo de crianças indígenas. E a busca por reparação

João Paulo Charleaux – agosto 2021

Depois de mais de 20 anos de pressão, governo da Austrália cede e diz que pagará US$ 280 milhões a meninos e meninas retirados de suas famílias entre 1910 e 1970. No Canadá, episódios semelhantes causam revolta

Premiê australiano abraça indígenas no Parlamento

FOTO: MARK BAKER, POOL/VIA REUTERS – 13.02.2008 PRIMEIRO-MINISTRO AUSTRALIANO, SCOTT MORRISON, ABRAÇA INDÍGENAS PRESENTES EM SESSÃO DO PARLAMENTO EM CANBERRA

Entre 10% e 33% das crianças indígenas australianas foram retiradas à força de suas famílias e enviadas a internatos administrados pela Igreja Católica e pelo próprio governo local entre 1910 e 1970 como parte de um programa de aculturação cujos efeitos foram “profundamente incapacitantes” para os envolvidos.

Os números e constatações estão num relatório publicado em 1997 por uma comissão especial criada pelo governo da Austrália para apurar a extensão dos danos dessa política pública e embasar ações de reparação que vêm sendo conduzidas desde então, em seguidos pacotes milionários de indenização.

Neste texto, o Nexo mostra as constatações do relatório australiano e as tentativas do governo local de indenizar os indígenas afetados por essa política. O texto mostra ainda situação semelhante ocorrida no Canadá, onde o desfecho teve reação violenta.

As conclusões do relatório sobre a Austrália

O governo da Austrália colocou em funcionamento, entre 1995 e 1997, uma Comissão de Direitos Humanos e de Igualdade de Oportunidade para investigar de forma extensiva “a prática histórica de remoção forçada de crianças indígenas de suas famílias, e os efeitos dessas remoções”.

Depois de dois anos de trabalho, a comissão concluiu que o número de crianças indígenas que foram vítimas dessas remoções forçadas, seguidas de internações em instituições de aculturação, pode ter variado entre 10% e 33%.

O documento, publicado em maio de 1997, trata de situações ocorridas com os aborígenes australianos e os indígenas que habitam os arquipélagos do chamado Estreito de Torres, que ficam entre a Austrália e a Papua Nova Guiné, na Oceania. Esses dois grupos representam a totalidade dos indígenas australianos, que representam pouco mais de 2% da população do país atualmente.

As normas que tornaram isso possível começaram a ser adotadas na Austrália a partir de 1900. A maioria delas foi extinta a partir de 1960, mas algumas permaneceram vigentes até 1970.

O documento estabelece uma ligação direta entre a violência praticada nessas remoções, internações, aculturações e separações familiares com as dificuldades de aprendizado e de inserção social e profissional, que levaram essas crianças a serem marginalizadas no país, encontrando dificuldade de inserção profissional e aumentando a pobreza entre os indígenas.

A comissão considerou que o conjunto dessas práticas pode ser enquadrado como crime de genocídio – que diz respeito à condução de uma política deliberada de extinção de um determinado grupo. O governo rejeitou essa alegação e respondeu adotando apenas parte das medidas reparatórias sugeridas.

Na esteira da publicação, foram alocados US$ 43 milhões em indenizações aos sobreviventes dessa política. Os povos afetados consideraram o valor insuficiente e mantiveram o pleito por pagamentos adicionais nos últimos 24 anos, até que, nesta quinta-feira (5), o governo anunciou um fundo adicional de US$ 280 milhões.

“Essa é uma resposta a uma demanda de muitos anos”, disse o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, em discurso no Parlamento ao defender a indenização suplementar. “É uma maneira de dizer formalmente que nós não apenas lamentamos tudo o que aconteceu, como vamos pagar por isso.”

No Canadá, desfecho tumultuoso

A prática de internar e aculturar crianças indígenas nos séculos 19 e 20 também ocorreu no Canadá, onde o governo indenizou, em 2006, um grupo de 80 mil famílias de sobreviventes.

A compensação não apaziguou a revolta de parte da sociedade canadense que, ultrajada com a descoberta de cemitérios indígenas no fundo de escolas religiosas, trouxe o assunto novamente à tona em 2021.

A descoberta das covas – muitas delas sem identificação – provocou uma onda de protestos em junho de 2021, que culminou com ataques incendiários a igrejas nas províncias canadenses de Saskatchewan, Nova Escócia e Alberta. Em Winnipeg, uma estátua da Rainha Vitória foi derrubada por manifestantes. A monarca britânica exercia poder sobre o Canadá enquanto colônia britânica, entre 1837 e 1901, período em que as mortes ocorreram.

Entre 1883 e 1996, funcionou no Canadá uma rede educacional de congregações católicas nas quais crianças indígenas eram internadas para aculturação. Muitas delas enfrentaram violência sexual, racismo, doenças, maus tratos e negligência. O número total de crianças mortas nessas circunstâncias no Canadá pode estar entre 4.134 e 6.000.

Fonte: Nexo Jornal

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