GUERRA QUÍMICA NA ANTIGUIDADE: EVIDÊNCIAS ARQUEOLÓGICAS

Há quase dois mil anos, dezenove soldados romanos correram para um túnel subterrâneo apertado, preparado para defender a cidade síria de Dura-Europos, do ataque de invasores persas-sassânidas que escavavam uma galeria para minar as muralhas de tijolos da cidade. Mas, em vez de invasores, os romanos encontraram uma fumaça negra e tóxica que os sufocou matando-os em minutos. Muitos deles ainda traziam, em suas bolsas presas nos cintos, o último pagamento em moedas. Perto dali, um soldado sassânida, talvez aquele que começou o fogo subterrâneo tóxico, acabou vitimado pelo gás agarrando-se desesperadamente à sua armadura enquanto engasgava. Esses 20 homens, que morreram em 256 d.C., podem ter sido as primeiras vítimas de guerra química com evidência arqueológica. Soldado sassânida encontrado próximo aos corpos dos legionários romanos na galeria subterrânea de Dura-Europos. A armadura erguida perto do pescoço sugere que ele, sem conseguir respirar, teria tentado se livrar dela. Armas químicas e biológicas na Antiguidade A ideia de usar substâncias tóxicas como arma de guerra é tão antiga quanto a própria guerra. Na Índia, por exemplo, o uso de venenos durante a guerra é mencionado tanto no Mahabharata quanto no Ramayana, textos que remontam há mais de cinco mil anos. Receitas de armas venenosas podem ser encontradas no Artaxastra (séc. IV a.C.), de Kautilya, um tratado sobre estratégia militar do período Mauria da Índia. Na China, há escritos que descrevem o uso de gases tóxicos pelos defensores de uma cidade. Produzidos pela queima de mostarda ou outros vegetais tóxicos, os gases foram bombeados por meio de foles nos túneis escavados pelo exército sitiante. No Ocidente, as referências sobre o uso de armas químicas aparecem na mitologia. No mito grego de Hércules, o herói mergulha suas flechas no sangue da Hidra para torná-las tóxicas. Flechas envenenadas foram usadas na Guerra de Troia, segundo narrado por Homero na Ilíada. O historiador Tucídides afirma que os gregos usaram flechas envenenadas na Guerra do Peloponeso. Hércules matando a Hidra, monstro de várias cabeças tão venenoso que matava os homens apenas com o seu hálito. As flechas de Hércules, mergulhadas no sangue da Hidra, tornaram-se letais ao simples contato. Mosaico de Líria, Valência, Espanha. Em uma batalha contra os conquistadores romanos, em 189 a.C., os gregos queimaram penas de galinha e usaram foles para soprar a fumaça nos túneis de cerco dos invasores romanos, sufocando-os. No Oriente Médio, onde a nafta inflamável e o betume oleoso eram fáceis de encontrar, eram comuns os incêndios intoxicantes. Essas e outras informações sobre o uso de armas químicas estão na literatura e da mitologia. Mas um pesquisador inglês apresentou evidências arqueológicas de uso de armas químicas em um combate ocorrido no século III d.C. na cidade fortificada de Dura-Europos, na margem do rio Eufrates, na Síria. Sítio arqueológico de Dura-Europos tendo ao fundo o rio Eufrates, Síria Dura-Europos: próspero centro urbano Dura-Europos foi uma antiga cidade de origem grego-macedônica, fundada no ano 300 a.C. sobre restos de uma localidade semita. Localizada a meio caminho entre Alepo e Bagdá, nas margens do rio Eufrates, na Síria atual, Dura-Europos era ponto estratégico de importantes rotas comerciais da Antiguidade. Formava parte da rede de comunicação do Império Selêucida, nascido com o desmembramento do Império Macedônico, de Alexandre Magno. No século II a.C., Dura-Europos foi ocupada pelo Império Parta e, no final do séc. I a.C., foi incorporada ao Império Romano. Sob a ocupação romana, Dura-Europos manteve sua condição estratégica, como ponto de contato das caravanas. Juntamente com Palmira, foi um próspero centro urbano e comercial. Como base militar romana, estava bem fortificada com muralhas e torres de vigia. Encruzilhada de povos e culturas, a cidade possuía templos aos deuses romanos, gregos, fenícios, divindades locais, sinagogas e, inclusive, uma igreja cristã, a mais antiga de que se tem notícia. Fortificações de Dura-Europos, na Siria. Em meados do séc. III d.C., a cidade caiu sob domínio do Império Sassânida, o último grande império iraniano antes da expansão muçulmana e a adoção do islamismo. Foi durante a guerra entre romanos e os invasores sassânidas que teriam sido utilizados gases tóxicos. A guerra Reconstituição do local onde foram encontrados os corpos de soldados romanos, em tunel escavado, Dura-Europos, Síria. Embora não existam registros escritos sobre o cerco final, ocorrido em 256 d.C., a arqueologia fornece uma pista sobre o que poderia ter acontecido durante a guerra em defesa de Dura-Europos. Descoberta em 1919 por soldados do Império Britânico, Dura-Europos foi escavada durante os anos de 1920 e 1930 por arqueólogos franceses e americanos. Foram encontradas duas galerias subterrâneas, uma escavada pelos persas e outra pelos romanos. No túnel romano, foram descobertos os corpos empilhados de 19 legionários e um único soldado sassânida. A interpretação inicial foi que uma batalha feroz ocorreu no túnel, na qual os sassânidas repeliram, com sucesso, os defensores romanos. Depois da batalha, os sassânidas incendiaram o túnel, conforme indica a presença de cristais de enxofre e betume no local. Outra interpretação Em 2009, um reexame das evidências levou a uma reinterpretação dos eventos ocorridos durante o cerco. O pesquisador britânico Simon James, da Universidade de Leicester, no Reino Unido, observou que os túneis eram estreitos e baixos para um combate corpo a corpo eficaz. Além disso, a posição dos corpos romanos, empilhados deliberadamente, sugere que aquele não era o lugar onde eles caíram. Segundo Simon James, os sassânidas ao se darem conta que seu túnel, construído abaixo do túnel romano, os deixava em posição desfavorável, resolveram surpreender os legionários com a fumaça letal. Usando um braseiro mantido acesso com foles, os invasores queimaram cristais de enxofre e betume. A mistura virou um gás sufocante e se transformou em ácido sulfúrico que foi inalado pelos defensores romanos. Em poucos minutos, os romanos que estavam no túnel morreram. O solitário soldado sassânida pode ter sido vítima de sua própria arma e também morreu intoxicado pelo gás venenoso. Em seguida, os sassânidas teriam arrastados os corpos romanos amontoando-os, e retomaram seu trabalho de escavação da galeria. Sem tempo para saquear os cadáveres, eles deixaram moedas, armaduras e armas intocadas. Os achados arqueológicos em Dura-Europos  fornecem a primeira evidência física de uma guerra química na Antiguidade, para além das fontes literárias e míticas. Quantas vezes essas armas químicas foram usadas é outra questão. Dura-Europos seria um exemplo único do uso de armas químicas ou essas armas foram mais amplamente usadas? Talvez surjam mais evidências arqueológicas que fornecerão novas respostas. Esquema das galerias subterrâneas escavadas pelos romanos e sassânidas, e local onde teria sido acesso o braseiro para queimar enxofre e betume.

Dura-Europos, Síria Fonte Archaeological evidence for 1.700-year-old chemical warface. Ancient Origins. 7 dez 2014. JAMES, Simon. Stratagems, combat and “chemical warfare” in the siege mines of Dura-Europos. AJA online. American Journal of Archaeology Institute of America. jan 2011. SILVER, Carly. Dura-Europos: crossroad of cultures. Archaeology Archive. 11 ago 2010. University of Leicester, 2014. The Final Siege of Dura: Ancient ‘Chemical Warfare’?. MAYOR, Adrienne. Greek fire, poison arrows & scorpion bombs: biological and chemical warfare in the Ancient World. Overlook Press, 2003.

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